terça-feira, 23 de dezembro de 2008

As coisas sempre mudam...

Fim de 2008: olho pra trás, muitas coisas mudaram, coisas que nem esperava aconteceram, eu mudei muito.

Mesmo acreditando que a mudança é inerente a quem vive em sociedade neste início de terceiro milênio e que esta mudança é um processo contínuo, cada vez mais rápido e imprevisível, que vai muito além do marco temporal de um ano, se eu fosse analisar minha vida através dos anos que os seres humanos estabeleceram, poderia certamente dizer que 2008 foi o melhor ano da minha vida.

Isso não significa que tudo saiu conforme planejei ou mesmo da forma que eu queria que fosse. Não acredito que isso possa acontecer, mas o desejo e a vontade devem estar presentes, como motivação, para que o que aconteceu possa ter acontecido na minha vida.

No final de 2007, fiz uma lista (é isso: coloquei no papel...) de gratidões e de metas. Enterrei-as na gaveta (até a gaveta mudou neste ano...). Chegou a época de abrí-las. Abri. Resolvi escrever aqui algo sobre as metas e quem sabe sobre as gratidões, neste dia em que estou às voltas de preparar um almoço pra mãe, irmã e namorada que chegam, enquanto meu pai se diverte trabalhando (diz ele que vai trabalhar amanhã também...deve lhe fazer bem de alguma forma isso e devo respeitar, como bom filho que, atualmente, sou...).

Vamos as tais metas...para minha surpresa, a avaliação é positiva. Digo "para minha surpresa", pois, particularmente, não preciso muito de críticos e julgadores, tendo em vista que já me sou severo demais.

Eram 12 pontos principais que eu enxergava para 2008...alguns não foram tão importantes, outros foram-me mais do que esperava...vou comentar em geral, misturando as gratidões no meio das metas...certo que vão sobrar gratidões ao fim das metas que deverão ser feitas...

O primeiro certamente foi cumprido: Maria Cândida, "a" namorada, estava nas metas e também nas gratidões, e permanecerá nestas novas listas. Essa menina é tudo de bom! Companheira, atenciosa, linda demais (isso também é importante), mais nova (para mim que se envolvia com facilidade com mulheres mais velhas que eu... antes que você protestem, nada contra, apenas, da minha perspectiva uma novidade bacana a beça...), inteligente, consegue me ajudar a beça (e espero que a recíproca seja a mesma...). Essa pessoa me ensina demais (e como é difícil ensinar a alguém que acha que sabe demais, como é o caso deste prepotente ser humano que escreve essas linhas...). Enfim, manter uma relação saudável, conseguir intimidade, não brigar (a toa ou sério... coisa inédita, isso mudou, como que as pessoas mudam!). Vejo que nossa relação teve um salto, amadureceu, pode florescer frutos futuros mais intensos e juntos... futuro... futuro... mudanças e imprevisibilidades... pra que planejar tanto?

Me mantive tentando praticar serenidade, aceitação e sabedoria na companhia de pessoas para mim muito especiais e não cabe ficar dando muitos detalhes de pessoas que são especiais para mim, pessoas que somente eu sei o quanto me importo e quanto curto estar com vocês a cada dia que passa, um dia de cada vez, só por hoje... tudo bem que é difícil a beça pra mim esse viver um dia de cada vez, esse passo a passo, mas vou tentando, vou voltando e assim vou seguindo...

Tinha colocado como meta focar meus estudos no mestrado que iniciei. Isso acontecer, muitas vezes de forma obstinada, até obssessivo-compulsiva, mas aconteceu e foi bom demais para mim. Priorizei isso e como fui feliz neste ano graças a esse sonho de vida que está se realizando, dentro das etapas necessárias... No CPDA / UFRRJ conheci pessoas brilhantes, maravilhosas, humanas, uma ou outra discordância, mas mesmo assim, tentando manter a harmonia, o bom humor, boas amizades surgiram, respeito mútuo por vários colegas de caminhada. Me martirizo de não ter aproveitado tanto a companhia dos meus colegas, devido aos meus compromissos assumidos com uma campanha política no primeiro semestre (o que me deu experiência em stress e uma satisfação muito considerável também...). Sou muito grato aos colegas que entraram comigo, sem distinção, aos professores que muito me ensinaram, aos funcionários sempre atenciosos, as pessoas que passavam por lá. Sou grato especialmente à minha orientadora (que já tinha sido objeto de postagem anterior, mas que nunca é demais mencionar, até em postagens) que me possibilitou liberdade com disciplina, criatividade com ordem, e um pouco do significado do que pode ser amizade, respeito e consideração. Certamente, sem o apoio de Fátima seria muito diferente. Essa experiência me mudou demais neste 2008.

Parei de fumar, no dia 23/12/2007, por volta de 22:00 fumei meu último cigarro, se não me engano era um Free. Me free dos cigarros foi ótimo, sinalizou uma mudança importante, é o maior período que fico sem fumar... espero que seja para sempre, mas sabendo que é um dia de cada vez apenas... essa importante mudança me possibilitou mais saúde, me relacionar melhor com as pessoas que não fazem uso do cigarro, sendo que não me incomodo tanto com os fumantes, tento não ser um ex-fumante chato, apenas tento...Essa parada me mostrou que é possível, quando coloco propósitos, e isso não teve nada a ver com religião, ou qualquer outro tipo de ajuda externa, apenas uma constatação de que estava me sentindo mal com este meu hábito...me fez bem conseguir manter...

Uma coisa que não consegui manter foi caminhar (ou correr) diariamente...apesar de ter recorrido às caminhadas, vira e mexe, não consegui manter um ritmo que me possibilitaria talvez cumprir uma outra meta que estava relacionada: de perder 10 kg em 2008... consegui perder 7 kg. Quem sabe os 3 kg restantes não estavam relacionados às caminhadas? Correr é demais, mas ainda não me sinto preparado...

Consegui uma bolsa da CAPES para cursar o mestrado, isso me deu a tranquilidade necessária. Mas, no final de 2007, minha preocupação era cobrir o custo com viagens e estadia no Rio e Niterói. Consegui arrumar grana e stress, satisfação e gratidão ao aceitar o convite para atuar numa campanha que tinha um sentido positivo para mim, enquanto cidadão de Nova Friburgo. Infelizmente, o projeto não vingou, nosso candidato não foi eleito, mas foi uma fase de muitas descobertas, de amizades que se solidificaram, outras que surgiram, algumas que se machucaram, enfim, o que acontece quando as emoções e paixões encontram-se à flor da pele: a política. Quando se intensificou o processo, meu papel já tinha sido bem desempenhado, meus custos estevam cobertos e não me sentia mais tão bem, nem útil e o melhor foi uma retirada ainda no curso da campanha.

Algo que passou distante, que um dia consigo alcançar, foi serenidade, em especial com minha mãe, mas espero melhorar, nisso mudei muito pouco...infelizmente.

Também em uma meta que me coloquei nada foi feito: de gastar somente o necessário. Esse foi um ano de gasto e consumo. Afinal, meu tema é consumo, tive que experimentar...rs... Brincadeiras a parte, não foi nenhum consumo conspícuo, mas aproveitei bastante, também me diverti, me auto-presenteei a beça, me equipei, me possibilitei prazeres em boas companhias, gostei de ter gastado, de ter consumido, mas consegui manter, pelo segundo ano consecutivo, uma reserva, que não chega a ser lá muito prudente, mas é uma reserva.

Minha gratidão se volta, com boa parte das metas cumpridas, para pessoas que me foram importantes nas várias áreas de minha vida e que não foram relacionadas acima. De várias possibilidades de citação, vou preferir a que não responde a nenhuma ordem específica, mas à ordem em que aparecem em minha mente e que me perdoem os esquecidos.

Antes de todos, meus pais, com suas limitações, mas com sua boa-vontade e amor incondicionais que me ensinam sempre a cada dia, mês e ano que passam. Maria Cândida, minha lindinha, que está sempre ao meu lado. Minha irmã, que conseguimos passar um ano dividindo um apê sem quase nos encontrarmos.

Modesto, Tião, Olney, Thiago, Nani, Elaine, Beth, Júlia, Juju, Lúcia, Dani, Glorinha, Jorge, João, Aura, João, Manu, Bernard, Zé, Fernanda, Sheila, Christian, Fafá, Martha, Henrique, Paula, Léo, Botto, Rodrigos (Carvalho, Machado), Flávio, Duda, Maria Luíza, Ignacio, Myrian, Verônica, Hector, Leonilde, Renato, Angye, Carla, Cátia, Paulo, Deivison, Thiago, Robson, Herman, Daniela, Débora, Alejandra, tem muita gente mais, certamente não lembro de todos, mas vou indo...o almoço espera...

Um feliz natal...feliz ano novo, afinal não sei se volto aqui, mas como tudo é possível...

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Mensagem de fim de ano

Vejo que minha vida é um momento, que começa com meu nascer, passa pelo presente e tende a continuar pelo futuro.

Foi mais ou menos nisso em que fiquei pensando ao escrever essa mensagem nesta época, fim do ano de 2008.

Uma mensagem para as pessoas que me marcaram neste momento, que, espero, me confirme a tendência de continuidade. Sei que isso não depende somente de mim... somos vários momentos que em uma determinada hora vão se encerrar.

Papo filosófico, mas é época de refletir, de avaliar o ano e a vida.

Perceber-me em outras pessoas, cultivar a solidariedade e a reciprocidade (tão esquecidas, mas ainda vivas...).

Não esqueço das pessoas com as quais me estressei, briguei, senti raiva, inclusive aquelas com quem me ressinto até então e as que há muito não vejo ou encontro. Minha esperança é que a gente se desestresse, refaça amizade, em paz, sem ressentimentos. Isso pode ser um aceno...

Em grande parte vocês muito me ensinaram que não estou sempre certo (e quem está?), que a diferença enriquece a experiência da vida. Não estranhem ao receber esta mensagem.

Lembro, principalmente, das pessoas que estão juntas a mim, próximas, que demonstram gostar (no verbo e na prática).

São vocês que alimentam essa tendência de continuidade do meu momento. Sem vocês meu momento certamente já seria passado. Esperança, motivação, força, crença... vocês me fazem mais eu a cada dia.

Envio esta mensagem também para aquelas pessoas com quem pouco convivi, mas que muito me ensinaram, pois foram fundamentais para que a novidade se acomodasse em meus hábitos.

Coloco também, como destino, as pessoas que muito gostaria de ver e encontrar, mas que o tempo (para mim ou para elas) não permitiu (um dia certamente nos permitiremos, pois não há "tempo" que possa impedir o carinho e o afeto...).

Enfim, para todos vocês que estão recebendo esta mensagem, desejo um fim de ano de muita alegria, feliz Natal (para os que nele acreditam...), um 2009 de muita coragem para enfrentar os desafios, serenidade e aceitação (quando necessária)!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Esse um dia de cada vez...deu nesse ano

O ano já acabou para muitas pessoas, mas para quem tenta viver um dia de cada vez o que importa não é o ano, mas o dia que se inicia...

Depois de muio tempo, arrumei tempo (porque tempo quase sempre temos, mas não arrumamos...) para postar essa mensagem pela manhã. Faz algum tempo, nem me lembro mais.

Tô ouvindo Raul (Seixas), falecido, louco, gênio, cortante, direto, foi-se embora, aproveitou seus dias e deixou pérolas. Tenho tido mais interesse pelos "lados B" dele e de muitos outros mais. Talvez isso se deva ao fato de escutar certas músicas até enjoar delas quando as ouço de novo. Se bem que, em determinados casos (como do Raul...) é impossível não gostar do que já se tornou clássico, do que já se sabe de cor...

Descobri que o mestrado não tem férias, mas devo dar uma "pisada no freio" neste fim de ano, até para poder refletir melhor... em tudo: na vida, no que faço, como faço, no jeito que encaro as pessoas.

Sou adepto de que o "bom é inimigo do melhor". Dentro dos limites do que seja o "melhor", ainda tem bastante coisa a melhorar. Hoje menos, cada dia menos, um dia de cada vez, minha aceitação do que está a minha volta vem se desenvovendo, até porque na maioria das vezes o problema é meu, está dentro da minha cabeça doida.

Fim de ano: apenas leituras (leves ou não....afinal não se deve radicalizar em nada, nem mesmo no descansar...), reciprocidade com os que gosto, que amo. E, tá bom, reflexão, é o momento disso.

Esse foi um ano e tanto, vivi cada dia intensamente, foram raros aqueles dias em que não tivesse um ponto onde quisesse empreender realizações. Produzi, li muito (mas muito MESMO...), conheci gente legal em uma frequência e intensidade muito maior que gente que eu acho chata (o que não significa que elas, de fato, sejam...).

Tive decepções e momentos em que achei que fosse explodir (como no fim do primeiro semestre, também em agosto, uma parte do mês) em que atuei numa campanha política. Foi uma experiência inigualável, mas muito estressante, não só pela derrota que ninguém esperava, mas pela vivência dos bastidores...enfim, passou, fiquei deprê um dia (mas para quem vive um dia de cada vez, esse dia foi horrível, mas me ensinou e me fez agir: saí da campanha...).

Esse 2008 consolidou uma das relações mais saudáveis de namoro que já pude participar. Respeito, carinho, vontade de estar junto, tudo de bom junto é essa menina Maria que pintou Cândida na minha vida. Que figura legal! Foi bacana passarmos este ano todo juntos, apaixonados. Melhor de tudo é não brigarmos, o que pra mim ainda é quase que incompreensível, mas é essa figura que me ensina, a cada dia que nos encontramos e nos amamos mais ou apenas nos amando um dia de cada vez da forma (diferente) que cada dia se apresenta.

Uma outra pessoa que tenho muita gratidão é Fafá, apelido da minha orientadora-amiga (como disse minha irmã querida...) que consegue me criticar rindo, mas que o faz com rigor que preciso. Foi um momento de agregar mais essa referência na minha vida. Curto demais os momentos em que estamos juntos, discutindo os textos, falando da vida, coisas tão bobas.

Não posso esquecer de meus pais que quase não vejo apesar de morar com eles em Nova Friburgo... coisas de tempos mais que modernos, onde os pais trabalham mais que os filhos, mesmo sem precisar... apenas para manter a atividade, sanidade, prazer em estar se sentindo produtivos... esses meus "véios" são demais, apesar de sermos muito diferentes, pouco compatíveis, foi um ano em que prevaleceu o respeito mútuo.

Enfim, começa aquela fase do ano que as análises, os julgamentos, as retrospectivas começam a serem proliferadas. Pode ser o início da minha, ou pelo menos os principais capítulos...

Ah! Bom dia!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Segunda: caiu o Vasco...e daí?

Ontem meu time foi rebaixado, sequer conseguiu fazer a parte dele: de obter uma vitória sobre o Vitória...e mesmo que esse resultado acontecesse, o destino do Vasco seria a Série B do Campeonato Brasileiro (salve alguma cartolagem que seria bizarra, até pra mim, vascaíno).

Faz muito tempo que meu interesse por futebol diminuiu ou mudou (aliás, fazia tempo que não postava nada por aqui, coisas desse tempo atual, ou da ausência dele, arg, por conta disso também não me estenderei o quanto gostaria). Acho que a última vez que fui ao Maraca foi em 2001, logo, lá se vão oito anos que o Vasco vencia o Flamengo por 3 x 1, com dois gols de Souza (esse mesmo que defendia o rubro-negro até bem pouco tempo) e outro não me lembro mais...

Acabo acompanhando o futebol mais pela internet que pela TV, procuro saber mais dos resultados e da classificação do que do esporte, do jogo em si...isso mudou bastante.

Enfim, o Vasco caiu muito tempo antes de ontem...seu último título em 2003 denota uma distância das possibilidades, times medíocres apenas para constar nos campeonatos, uma hora acontece... foi assim com Palmeiras, Botafogo, Fluminense, Grêmio, Atlético-MG, Corínthians, grandes clubes que experimentaram o rebaixamento e se refizeram, deram a volta por cima, voltaram, subiram depois de um ano no purgatório...

Espero apenas que esse momento sirva de arrumação da casa para o atual presidente do clube, o ex-jogador e ídolo, Roberto Dinamite. Pode ser um ótimo momento de arrumar a casa...

Aliás, faz tempo que não curto o futebol das transações milionárias... meu interesse parece ter baixado com o aumentos das cifras de comercialização de atletas para o exterior...o futebol brasileiro é um produto de exportação nacional, orgulho do país, uma área em que somos os melhores do mundo, isso acho legal, bom, sem hipocrisia....só que meu interesse diminuiu apesar disso tudo... audiência para valorizar os outros, mesmo que saídos da miséria em sua maioria? (talvez era essa pergunta egoísta que me angustiava...ou seria a falta de tempo, atribulações cotiadianas, escolhas de diversão dominical...não tenho mais saco pra TV).

É segunda, Vasco na segunda, eu na segunda, cheio de coisas a fazer, das mais variadas.... mas não deixei minha caminhada de lado, fui lá, peguei um sereno friburguense, coloquei a cabeça em ordem, afinal é segunda, nova semana, tem presentes a serem adquiridos para o Natal (verificar quem merece...afinal orçamento restrito é fogo!), ler, ler e ler, pagar algumas contas, entregar filme na locadora, segunda, bem-vindos.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Ao invés de qualquer álcool forte, pede água Perrier...

Continuo musical demais, nada melhor que fazer uma postagem musical, mesmo que sem som...ainda não aprendi a manusear direito todas as possibilidades que os blogs oferecem, até imagino que seja possível introduzir um som por aqui, mas descubro em breve.

Esse título é algo recorrente em relação a uma mudança de hábito meu, que foi o de não mais fazer uso de bebidas alcóolicas, fortes ou fracas, independente da quantidade. Isso quer dizer que já bebi no passado. E não era muito pouco, nem mesmo controlado...logo, me vejo e me acho melhor do jeito que estou hoje.

Ao mesmo tempo, fico pensando na sociabilidade inerente ao hábito de beber... as pessoas normalmente estranham que alguém tão extrovertido e descolado como eu possa conviver bem sem beber de forma sociável.

O problema é que minha fronteira do sociável é muito fluída ou, como diria Hirshman, minha noção de satisfeito sempre foi o mais-que-satisfeito...

Dessa forma, pouco me importa o que pensam as pessoas, mas muito mais o que eu penso a respeito do meu hábito recentemente adquirido de não beber, que está associado tão somente a perspectiva de maior bem estar, de me sentir, de me perceber mais, de estar bem comigo mesmo, com as pessoas ao meu redor da forma como sou naturalmente, sem qualquer alterador de humor que não sejam os próprios hormônios que já me passam uma série de sensações suficientemente eufóricas, relaxantes, mas sinceras, naturais, imprevisíveis... do jeito que são...

No fundo, tiro uma certa onda ao chegar em qualquer lugar e, quando todos pedem um chopp, pedir uma água mineral com GÁS, gelo e limão!

Nossa, quando ninguém me conhece, chega a ser engraçado a cara de espanto misturada com incredulidade e um certo desdém inicial, que sempre vem acompanhado de um pedido de explicação: POR QUE?

Disse um certo sábio popular que conheci uma vez: "nenhum ato lícito precisa de uma justificativa, NÃO É NÃO E PRONTO! Isso é normalmente o que faço. Afinal não devo explicações e se relato este fato que vem se tornando recorrente nas minhas relações sociais, deve-se mais a linda música da Adriana Calcanhoto, que me cai muito bem, na maioria das situações em que acontece o fato.

Sendo sincero:

"não quero mudar você, nem mostrar novos mundos, porque eu, meu amor, acho graça até em clichês"...

"adoro esse olhar blasé, que não só já viu quase tudo, mas acha tudo tão dèjá vu mesmo antes de ver"...

"só proponho alimentar seu tédio, para tanto exponho minha admiração"...

"adoro sei lá porque, esse olhar meio escudo, que invés de qualquer álcool forte, pede água Perrier"...

É isso!

Pra bom entendedor, meia palavra basta...

terça-feira, 25 de novembro de 2008

escrevinhando cansado a beça...sobre o pessimismo

Não deveria escrever cansado, mas por que não?

Passei bons três dias em Ilhéus: céu nublado, chovendo, uma maravilha! Trata-se da mania de uma perspectiva pessimista de ver as coisas. O lado bom está em que ministrei um curso bacana prum público surpreso com o que ouvia, mas que, ao final, gostou do que vivenciou, não necessariamente do que ouviu.

Cada vez mais dúvidas e menos certezas me compõem... não que não procure ter certezas, convicções, nem acho que não seja importante. Entretanto, não deixo de me colocar dúvidas, e elas vêm sendo constantes.

Essa perspectiva do pessimismo, ao mesmo tempo que evita frustrações (inevitáveis) frustra o tempo todo... putz, um dia ainda desencano disso... aliás já era pra isso ter acontecido... nem sei porque ainda mantenho esse padrão. Mas como nunca é tarde para mudar...

Esta postagem é cheia de clichês, mas o que quero dizer mesmo é que viajar de avião testa todas as possibilidades possíveis e imagináveis de ansiedade e frustração, muitas das vezes em conjunto.

Imagine que loucura, entrar num avião depois dos desastres aéreos recentes e propagandeados ao extremo... é frio na barriga de danar quando o piloto manda "decolagem autorizada"... ui!

Mas tudo correu bem... esse sistema é tão doido que cheguei em São Paulo me achando atrasado (e um tanto ferrado) para uma conexão pro Rio, e acabei por saber que esperaria mais 40 minutos... decido beber um café, mas qual minha surpresa quando (acreditando que estava sendo prudente...) me dirigia ao portão que embarcaria e soube que a mensagem inaudível que o alto(?)falante anunciava era pro voô... correria, adrenalina, e quando desce a escada rolante, uma fila considerável pra entrar no ônibus que levaria o povo a aeronave...que demora mais uns 40 minutos com todos adestrados dentro da mesma (cinto preso, poltrona reta e todos aparelhos possíveis desligados).

Enfim, cheguei no Rio oito horas depois de sair de Ilhéus... cansado pra burro... relato cotidiano esse...mais um tempinho até Niterói... e pensando: pessimista sofre muito mais, pra que isso? RELAX, HOMBRE!

Vamos tratar de viver um dia de cada vez, ou melhor, um momentinho de cada vez, e tentar aplacar essa onda de pessimismo, pois, como dizem, o otimista só sofre quando a situação imaginada não se concretiza, mas o pessismista sofre o tempo todo, ora bolas, por sempre imaginar o pior... eita!

Entendem o por que da escrita cansada? Pra desafogar essa coisa ruim, pessimista que venho carregando, oxalá! Que eu seja abençoado...

É hora de dormir, amanhã tem Oficina no Museu e Jorge Ben na Marina, pra que ser pessimista?

quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Edukators: todo coração é uma célula revolucionária!!!

No último sábado revi o filme Edukators: seus dias de fartura estão acabados (de Hans Weingartner, Alemanha / Áustria, 2004). Somente me confirmou a impressão inicial que tive: muito bom, revolucionário, romântico e individualista, tudo isso misturado.

Minha namorada não tinha assistido e me foi sugerido por minha orientadora de mestrado. Não me arrependi e ainda vou seguir a sugestão dela de utilizá-lo numa apresentação que farei em breve acerca da politização do cotidiano nos dias atuais.

Em lance rápido, o filme versa sobre dois amigos que se denominam como os Edukators e, além de participar de movimentos sociais econômicos anti-globalização, com características de boicotes, invadem casas de magnatas e, tendo o cuidado de não roubar / furtar qualquer objeto, (re)arrumam os móveis e tudo quanto mais é possível, como forma de assustar os ricos, chamando atenção para o consumo conspícuo, o que fica evidente na frase "Seus dias de fartura acabaram", normalmente colocada num envelope.

Evidente que, inserido como estou numa pesquisa sobre ações romântico-indivuidualistas que emergem no cotidiano da vida privada, em especial no consumo, o filme torna-se uma excelente referência a ser explorada.

Em determinada passagem acontece um debate intrageracional espetacular, simbolizando os conflitos entre a geração 1968 (novos movimentos sociais / ação coletiva : ecológico, feminista, étnicos, etc) e os "militantes" individualizados atuais.

A tônica dos sonhos que não se realizaram para os que vivenciaram 1968 e sua "conversão" ao conservadorismo se fazem presentes (aquela estória: se não for comunista antes dos 30 anos, trata-se de um desalmado, se persistir neste caminho após, é um burro... até o nosso presidente Lula filosofou recentemente sobre isso... gerando protesto entre aqueles que ainda estão em 1968...).

Por outro lado, todo um movimento político individualista e romântico que se desenvolve até que não se sabe onde podem ir os três jovens do filme, em seus dilemas sentimentais, que envolvem traição, lealdade, amizade, politização do cotidiano...

Sem querer lamentar ou não, a perspectiva apresentada retrata, de forma muito próxima, um quadro de relações que permeia grande parte das sociedades contemporâneas, onde "todo coração é uma célula revolucionária".

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

Paralelo Carlos Castañeda

Para o bem ou para o mal, o sobrenome Castañeda provoca muita polêmica e admiração, muitas vezes como reações combinadas. Quando criança, não curtia muito esse sobrenome estranho, tinha até uma certa vergonha, tanto que destacava mais o Araujo, meu outro sobrenome... como o nome Marcelo era recorrentemente comum, principalmente nos colégios o sobrenome era um complemento necessário.

Até meus 18 anos, o Castañeda permanecia invisível para mim, tendo vindo por parte de mãe, de um avô que não pude conhecer por sua morte precoce. Talvez tenha alguma relação com esta invisibilidade.

Entretanto, hoje o Castañeda se coloca muito mais visível nas minhas apresentações do que o Araujo. Essa mudança pode ser associada a descoberta da obra do antropólogo e escritor de literatura mágica, Carlos Castañeda.

Quando ingressei na graduação de Ciências Sociais na UERJ, em 1998, meu sobrenome abriu diversas portas (inclusive da percepção). Como já tinha lido parte da obra de Carlos, muito oportunamente me colocava como seu sobrinho-neto, pretenciosamente, em especial quando era uma gatinha que chegava puxando papo. E assim foi...

Hoje em dia não procedo mais nesta abordagem, muito mais por já ter uma gatinha companheira, mas também por não ter tido possibilidade de comprovar ou refutar o parentesco, logo melhor que o mistério se faça...

Também já vi Castañeda que foi Ministro da Fazenda do México (Jorge), jogador de futebol no Chile e em Honduras (aliás, país natal do meu avô Jorge Arturo...) e, recentemente, uma amiga minha confundiu o mail que passei para ela e acabou encontrando mais um, artista e poeta, chileno Castañeda...

A mística e maldição envolvendo o nome Castañeda pode atrair atenção de início, mas no ambiente acadêmico é motivo de muita desconfiança por parte da pretensão científica do clássico de Carlos A erva do diabo, sua tese de doutoramento em antropologia, cujo trabalho de campo deu-se no decorrer da década de 1960, versando sobre o uso de plantas alucinógenas por índios de Sonora (México).

Num certo natal, ali por 1993/4, estava eu a folhear este livro, lendo-o pela primeira vez, quando minha mãe olhou e disse que seu pai, Jorge Arturo, meu avô, tinha um irmão de nome Carlos que ela nunca havia visto... fiquei com aquilo na cabeça como álibi perfeito para me apresentar como sobrinho do "hômi".

Depois da vergonha e da onda, agora vem simplesmente que é somente um nome, que remete a uma lenda (Carlos)... a vida segue...

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Só, só ser ou ser só? Melhor é pensar desta forma...

Decidi ficar só neste fim de semana e foi bom para mim. Talvez tenha sido opção não retornar a Nova Friburgo, mas, de fato, não tive tanta opção assim, mas sim uma necessidade: precisava dar uma carga de atenção ao meu projeto de mestrado, o que envolve escrever, modificar o que escrevo (diversas vezes, como quem me conhece um pouco diagnostica rápido...), refletir, enfim, me concentrar, estar envolto em dúvidas, pensamentos. Ou seja: ficar chato do jeito que só eu posso ser e ficar. E o fato de eu ter ficado só no fim de semana passa a ser melhor para mim e também (mesmo sem nenhuma predisposição em prol de outrem, tão somente pensando em mim... de forma individualista, mas não egoísta...) para a minha família, namorada e outras pessoas próximas que ficaram distantes de mim até pelo simples fato de que eu estaria distante deles mesmo que estivesse próximo fisicamente.

Constato que avancei no projeto, obviamente que não tanto quanto meu perfeccionismo gostaria que tivesse avançado, mas isso faz parte, já me acostumei, já nem me frustro mediante as expectativas que mais me servem para chegar bem além do ponto em que chegaria caso não as tivesse.

Também constato que não sou nada mais nem menos que um grão de areia nesta praia-mundo, o que significa que se eu morrer hoje, poucas pessoas (acredito que daria para contar nos dedos das mãos... ou de uma das mãos...) iriam chorar pelo fato. Não demoraria mais que uma semana para que as vidas dessas pessoas estivessem andando sem a menor reminiscência da minha pessoa. Não fico triste ao pensar nisso, mas isso me dá mais força para cuidar de mim, em primeiro lugar. Atitudes altruístas depois, não pode ser diferente.

Tenho emagrecido novamente, tomara que não engorde tudo de novo. Por que engordar é fácil e emagrecer é difícil? Oh, drama! Babaquice danada... tenho comido menos, procuro fazer uma caminhada de uns 40 minutos todos os dias e isso vem funcionando... coisinha básica: venho me sentindo melhor. Isso é o que mais me importa hoje, meu bem-estar.

Comprei a Folha de São Paulo no domingo, ontem, mas tinha a clara sensação de que não conseguiria ler. Pensado e feito: somente folheei, um monte de matéria falando do Obama, Obama pra lá, Obama pra cá, se depender dele o Brasil está frito numa gordura requentada da pior espécie do mesmo jeito que com o Bushinho, Clinton, Bushão ou Reagan, para citar apenas os mais recentes "carrascos imperislistas". Tentarei ler mais detalhadamente o jornal mais bem informado do Brasil para me inteirar das novidades, mesmo que sejam tão batidas quanto o Obama... talvez amanhã comente algo sobre a atualidade do mundo que me cerca e não do meu cotidiano previsível (até que nem tanto, reclamo de "barriga cheia", mesmo emagracendo...).

E comecei a semana só, minha irmã me abandonou ao relento de Icaraí, hoje devemos nos encontrar a noite ao menos para romper não minha solidão, mas meu diálogo com pessoas... sabe que é bem ruim ficar só? Se bem que me aturei numa boa, acho que me aturo numa boa, é preciso aprender a só ser ou a ser só? Eis o dilema que Gil tentou responder... só ser ou ser só? Ser só deve ser ruim... acho que o samba-resposta de Gil era para aprender a só ser...

Seja essa ou não a resposta do ex-ministro eu preciso aprender a só ser e acho que estou conseguindo... por fim, não podia deixar de falar numa dor de coluna que me incomodou o dia inteiro, foi um mal jeito que arrumei, mas como incomoda... coisas da idade que avança?

Eita paranóia narcisista... aliás, depois que inventaram a web cam o relacionamento meio que à distância já se torna possível, mas tem que ter a etapa presencial com uma frequência relativamente não muito longa...

Até a próxima vez que der vontade de escrever neste espaço de desaguar sentimentos, percepções, frustrações e etc...

domingo, 9 de novembro de 2008

Espaço público no Brasil, sociedade civil contemporânea e ação coletiva organizada*

1. Espaço público: uma revisão conceitual

O conceito de espaço público e os seus usos no Brasil fazem parte da abordagem desenvolvida por Sérgio Costa. Em Cores de Ercília - esfera pública, democracia, configurações pós-nacionais, o autor define a democracia como uma forma de dominação consentida, na qual decisões permanentemente fundamentadas e justificadas ressaltam a centralidade da esfera pública, vista como o espaço que compreende tanto a vontade coletiva quanto as decisões políticas previamente acertadas.

Apesar de um relativo consenso teórico em torno desta definição, os processos de transformação recente da democracia compreendem algumas variações conceituais, dentre as quais Costa (2002) adota três modelos, com base em Benhabib (1993 apud Costa, 2002), a saber: republicano[1], liberal[2] e discursivo[3].

Para este trabalho interessa registrar os pontos principais da crítica que Costa (2002) desenvolve acerca do modelo liberal de democracia, que posiciona a esfera pública como mercado, e enfatizar a defesa que este autor faz do modelo teórico discursivo da democracia como uma chave para entender o conceito de espaço público no Brasil contemporâneo.

1.1. A crítica à esfera pública como mercado

No modelo liberal de democracia, o espaço público aparece como um palco para a encenação política, onde a disputa de poder entre os diferentes atores suplanta as possibilidades de comunicação efetiva. A opinião pública constitui-se através da ação dos diferentes atores sociais e só se materializa em decisões políticas ao passar pelo policy process[4].

Costa (2002) ressalta como os governos, ao assumir prioritariamente o tratamento dos problemas cujas soluções tenham a mais ampla aceitação possível – e, paralelamente, evitar questões controversas - tornam-se os destinatários e o co-formadores ativos das esferas públicas, pois, ao mesmo tempo, que estimulam a discussão dos problemas que revelem boas perspectivas de decisão consensual, por outro lado dificultam a discussão dos temas potencialmente conflitivos ou que possam ameaçar os interesses estabelecidos.

Neste modelo, apesar da esfera pública aparecer como se fosse um fórum aberto, existe uma diferenciação funcional rígida, na qual os porta-vozes de partidos, dos grupos organizados e da mídia constituem a esfera pública e o público é apenas o destinatário das mensagens, sem voz efetiva. Costa (2002) destaca que no modelo liberal de democracia a esfera pública não incorpora o conjunto dos cidadãos[5].

Os movimentos sociais aparecem como o hiato entre os atores da esfera pública e o público e se voltam para a produção de fatos com conteúdo noticioso. O esvaziamento das possibilidades discursivas da esfera pública, inerente a este modelo, é destacado por Costa (2002), em especial, na referência a Baringhorst (1996 apud Costa, 2002) e sua análise acerca dos “novos heróis do engajamento humanitário, ecológico e pacifista”, vistos por Costa (2002) como “verdadeiros mestres do jogo de imagens, que arregimentam, através de estética não-verbal e da promessa de participação em ações carregadas de emoção e grandes vivências, milhares de adeptos” em detrimento dos contextos comunicativos e seus intercâmbios racionais-discursivos. Este “imperativo do espetáculo” é criticado por Costa (2002) por consistir no sacrifício dos debates substantivos e na obliteração das possibilidades discursivas da esfera pública.

Aqui importa destacar a interpretação que Costa (2002) faz de autores cujas abordagens são classificadas como influências do pós-modernismo e da centralidade dos meios de comunicação, especialmente a televisão, na constituição dos perfis contemporâneos das sociedades latino-americanas[6]. Diante do cenário de obliteração das possibilidades efetivamente comunicativas das esferas públicas latino-americanas apontadas por estes autores, Costa (2002) concentra-se nas possibilidades da política e das ações coletivas contemporâneas que Garcia Canclini propõe.

Na crítica que faz à Canclini, Costa (2002) considera que, ao associar o crescimento do nível de exigência dos consumidores como um contraponto da tendência contemporânea de expansão do capitalismo[7], ele enxerga uma “transformação desta esfera econômica com efeitos sociais devastadores (insegurança, desemprego, etc)” como uma “virtude política” e confunde níveis analíticos, ignorando processos históricos.

Para Costa (2002) a cidadania moderna é duplamente determinada - econômica e politicamente. Um sistema de necessidades e interesses individuais e conflitantes minaria os laços de solidariedade e cooperação social que devem ser reconstituídos em outras esferas da vida social. Portanto, o autor defende a busca, nestas outras esferas da vida social, das práticas que restaurem as relações solidárias em que podem ser encontradas as fontes de renovação normativa da política moderna.

1.2. A defesa do modelo discursivo de democracia na esfera pública

Sem negar a mudança estrutural na esfera burguesa com esta crítica ao modelo liberal de democracia, Costa (2002) mostra a persistência de estruturas comunicativas diversificadas e de processos sociais que oferecem consistência, ressonância e sentido ao “espetáculo político” no cotidiano dos atores, além de possibilitar substância e credibilidade às imagens e mensagens do modelo teórico liberal.

Cohen e Arato (1992 apud Costa, 2002) destacam dois planos de questões que não são colocadas em evidência pelo modelo liberal: o primeiro é constituído pelos novos tipos de organização política; e o segundo, pela ação dos meios de comunicação de massa e, paralelamente, pela modernização do mundo da vida[8].

Costa (2002) enxerga que as formulações recentes de Habermas inserem as postulações de Cohen e Arato na teoria discursiva da democracia, pois mostram o espaço público como uma órbita insubstituível de constituição democrática da opinião e vontade coletivas, que estabelece a mediação necessária entre a sociedade civil e o Estado e o sistema político.

A existência de uma esfera pública “politicamente influente” no modelo discursivo de democracia[9], Costa (2002) apresenta três momentos distintos de Habermas para apontar: a) o potencial de crítica e de seleção do público, capaz de preservar suas diferenciações internas e sua pluralidade[10]; b) a força da legitimidade política, como resultado do processo comunicativo de formação de opinião e da vontade coletiva, que estabelece a mediação entre o mundo da vida e o sistema político[11]; e c) a canalização dos fluxos comunicativos para a esfera pública como função das associações voluntárias e da sociedade civil[12].

Para Costa (2002), o poder de influência da sociedade civil deve chegar ao Estado através da mediação dos processos institucionais de formação da opinião e da vontade coletiva na esfera pública. O autor aproveita a visão de Habermas sobre a influência da sociedade civil, de forma anônima e difusa, e a existência de uma esfera pública transparente e porosa, permeável às questões originadas no mundo da vida.

1.3. O conceito de espaço público no Brasil

Historicamente, a idéia da inexistência de espaço público foi dominante nas ciências sociais no Brasil (Costa, 2002). A partir da década de 1980, inicia-se um processo de generalização do espaço público no país. Entretanto, Costa (2002) enfatiza que a esfera pública brasileira ainda é vista por muitos teóricos como um mercado de opiniões controlado pelos atores mais poderosos da sociedade.

O viés empiricista[13] posiciona a mídia e o espaço público como um campo, onde formas tradicionais-populistas de conquista da lealdade política se misturam com novas formas de conquista de apoio das massas. Alguns autores, que abordam a transformação da legitimidade dos atores da sociedade civil em performances participativo-institucionais, destacam a promoção do poder relativo dos atores corporativos[14].

Costa (2002) mostra que começa a se difundir a ambivalência da topografia social brasileira, com ênfase no caráter público e publicista, em uma aproximação com o modelo republicano de democracia, baseado na emergência de novos atores sociais, na redefinição do espaço público e privado e na defesa da ampliação das fronteiras políticas.[15]

A perspectiva de Hanchard (1995 apud Costa, 2002) ao abordar a constituição de esferas públicas particulares, com ênfase na aceitação e no reconhecimento mútuo das diferenças, também é criticada por Costa (2002), por desconsiderar o auto-referenciamento, a fragmentação social e a intolerância, que são imputados pela autora à sociedade brasileira, plural e desigual.

Costa (2002) é contrário à idéia do espaço público brasileiro como um mero mercado de opiniões e considera as transformações proporcionadas pela recente democratização verificada nas duas últimas décadas. O autor defende a existência de um espaço público no Brasil e destaca, por exemplo, a porosidade da mídia para absorver e processar os temas trazidos pelos atores da sociedade civil[16].

A crítica de Costa (2002) ao “pluralismo empiricista” refere-se à ausência de distinção entre os atores da sociedade civil e os demais grupos de interesses. O autor defende que o papel dos movimentos sociais e das associações voluntárias é introduzir novos temas e questões na agenda política, e ampliar o espaço público brasileiro, visto como uma arena de mediação dos processos de articulação de consensos normativos e de reconstrução reflexiva dos valores e das disposições morais que orientam a convivência social.

O olhar crítico de Costa (2002) também se dirigida ao modelo republicano de democracia, pois acredita que as contribuições democratizantes das associações da sociedade civil não podem ser enxergadas somente a partir das instâncias institucionais, mas também das possibilidades de enraizamento em esferas sociais pré-políticas. Nestas esferas e na articulação que os movimentos estabelecem entre elas e as arenas institucionais é que podem emergir os impulsos mais promissores para a renovação da democracia.

Os pontos fundamentais da análise de Costa (2002) sobre o modelo discursivo de democracia como chave de interpretação da sociedade brasileira contemporânea passam a) pela defesa da interação dos movimentos e organizações sociais com o Estado e as instituições; b) pela defesa de mecanismos de participação que preservem o caráter autônomo e necessariamente descontinuado de sua constituição e operação; e c) por ser contrário ao desenraizamento social das organizações civis.

2. Sociedade civil e espaço público

Esta parte do trabalho traça a trajetória contemporânea do conceito de sociedade civil e expõe, de forma sintética, o debate atual e as limitações da aplicação deste conceito no Brasil, de forma a embasar o entendimento das formas de ação coletiva organizada.

2.1. O conceito de sociedade civil: trajetória contemporânea e debate atual

O debate contemporâneo sobre o conceito de sociedade civil apresenta duas vertentes interpretativas principais: a versão enfática e a moderada. Neste trabalho, a opção foi de trabalhar apenas com a primeira delas - a enfática.

A visão comunitarista de Charles Taylor[17] entende a sociedade civil como uma “rede de relações autônomas e independentes do Estado, as quais agrupam os cidadãos em torno de interesses comuns e que através de sua mera existência ou atividade podem desencadear efeitos sobre a política” (Taylor, 1991 apud Costa, 2002).

John Keane delineia um projeto para a democratização das relações entre o Estado e a sociedade civil, a fim de gerar propostas para a existência simultânea de liberdade e igualdade. As propostas de Keane (1988 apud Costa, 2002) passam por um Estado com fundamentos legais claros, que opera a convivência dos múltiplos interesses privados e amplia o poder de deliberação das associações civis. Dessa forma, a sociedade civil seria, “uma esfera politicamente dinâmica que força permanentemente a democratização das instituições estatais” (Costa, 2002).

Para Michael Walzer, a noção de sociedade civil incorpora instrumentos analíticos da crítica social e a concepção normativa de “boa vida”, baseando-se nos grupos que se associam por força da sociabilidade. Cohen e Arato acentuam a defesa de uma política dual fundada na utilização sincrônica das arenas institucionais - parlamento, esferas estatais, etc - e não convencionais de participação - movimentos sociais, protestos coletivos, etc[18].

Cohen e Arato defendem a estratégia política dual, assimilando o modelo em dois níveis de sociedade de Habermas - sistema e mundo da vida. Costa (2002) ressalta que o mundo da vida e a sociedade civil não são coincidentes enquanto categorias, conforme demonstrado por Cohen e Arato[19], que destacaram ser a dimensão institucional do mundo da vida a que mais corresponde ao conceito de sociedade civil (Cohen e Arato, 1989 apud Costa, 2002). Apesar disso, Cohen e Arato não chegaram a estabelecer os limites das duas esferas, o que torna os atores duais.

Habermas (1992;1995 apud Costa, 2002) incorpora a correção de Cohen e Arato e passa a tratar a sociedade civil como o componente vivo de uma ordem democrática, o lugar social de geração de uma opinião pública “espontânea” do mundo da vida, e também como o elenco de atores sociais habilitados a conduzirem os impulsos comunicativos condensados nas esferas da vida cotidiana às demais órbitas sociais.

O debate que posiciona o conceito de sociedade civil como o local de emergência da inovação e de transformações sociais enfrenta problemas e dificuldades no plano acadêmico e político. As críticas concentram-se na fragilidade dos contornos analíticos, nas suas ambivalências, nas acusações de “moda cultural” e nas dúvidas acerca da sua plausibilidade empírica [20].

O próprio Arato (1994 apud Costa, 2002) indica uma imprecisão do movimento político-teórico da noção de sociedade civil e reconhece problemas de cunho conceitual e metodológico e de instrumentalização para a práxis política. Entretanto, Arato não se propõe a abandonar o conceito de sociedade civil, entendendo que, enquanto categoria analítica pode desempenhar uma função relevante, em especial na relação que envolve os aspectos institucionais da democracia, os meios de comunicação e os problemas da globalização da sociedade civil.

2.2. O conceito de sociedade civil no Brasil

O conceito de sociedade civil no Brasil surgiu como conseqüência da resistência ao regime militar, no início da década de 1970, em uma perspectiva político-estratégica, tendo o significado de “não militar” (Costa, 2002). A plausibilidade empírico-analítica da categoria ficou relegada a um segundo plano naquele momento, pois buscava-se principalmente um marco conceitual para a resistência contra os militares[21], que gerou uma reversão da tendência histórica brasileira de ter os interesses sociais organizados pelo Estado.

O termo sociedade civil apresentou-se conceitualmente difuso durante o processo de democratização brasileiro[22]. Com o aprofundamento da democratização, surgem algumas clivagens dentro do que se denominava sociedade civil, sendo as mais marcantes as dos políticos de oposição eleitos governadores ou prefeitos, dos empresários “progressistas” e do sindicalismo autêntico, cada qual passa a cuidar especificamente de suas questões e se afasta do que era universal e os unificava: a luta contra o regime militar, que chegava ao fim em 1985.

Costa (2002) identifica que o termo sociedade civil, como uma esfera distinta do mercado e do Estado, não constituía um campo homogêneo, compreendendo um processo de diferenciação que explicitava as demandas dos diferentes atores – mulheres, movimentos negro e ecológico - que não eram sempre compatíveis entre si.

A partir da década de 1990, essa diferenciação se acentuou e observou-se um movimento paradoxal em que uma parte das associações e movimentos sociais buscou uma melhor delimitação das fronteiras entre a sociedade civil e o Estado e outra parte percorreu um caminho inverso, abdicando de suas especificidades em benefício de funções de agências estatais ou organizações empresariais.

Costa (2002) aponta as seguintes transformações recentes no campo de atuação da sociedade civil no Brasil, tornando-o cada vez mais multifacetado e complexo: a) a aceitação social da crítica neoliberal; b) a emergência de numerosas ONGs; c) a investida de setores empresariais em parcerias com a sociedade civil; d) a ação sistêmica do governo federal no sentido de regulação das relações com a sociedade civil; e e) a internacionalização de muitas organizações da sociedade civil.

A sociedade civil no Brasil compreende um contexto de ação para um amplo conjunto de atores que não querem ser assimilados ao aparelho de Estado ou às estruturas partidárias (Costa, 2002). As associações da sociedade civil são apenas uma força propulsora de transformações na estrutura institucional em permanente transformação para atenuar as inevitáveis tensões entre a lei e a ordem.

Um conceito operacional de sociedade civil para a esfera pública brasileira “refere-se ao contexto na topografia social, marcado por relações de solidariedade e cooperação e não se restringe assim a um somatório de organizações, trata-se de uma teia de interações” (Costa, 2002). As organizações da sociedade civil seriam “nódulos que se distinguem dos grupos de interesse que atuam na esfera política e econômica”.

Os aspectos desta distinção identificados por Costa (2002) são: a) base de recursos, que visa canalizar atenções públicas para campanhas e pleitos; b) base de constituição dos grupos, com a identidade sendo constituída no contexto das próprias ações coletivas; c) natureza do recrutamento dos membros, voluntária e livremente arbitrada; d) natureza dos interesses representados, das questões e problemas que emergem do mundo da vida.

Existe um condicionamento mútuo entre sociedade civil e espaço público, no qual Costa (2OO2) enxerga que a construção e consolidação da sociedade civil dependem tanto da vigência de direitos civis básicos quanto da existência de um espaço público minimamente poroso.

2.3. A construção da sociedade civil no Brasil

Apesar de se distanciar das abordagens que ressaltam a centralidade dos meios de comunicação de massa, Costa (2002) reconhece a tendência à formação de oligopólio do setor de comunicação brasileiro, em especial na televisão. Entretanto, o autor destaca algumas transformações que denotam a importância dos meios de comunicação na formação do espaço público e da sociedade civil no Brasil[23].

A construção da sociedade civil no Brasil apresenta três campos distintos, mas complementares. O primeiro deles consiste na produção de esferas públicas alternativas, caracterizadas por organizações especializadas em reunir e divulgar informações, de forma sistemática, sobre temas específicos, dirigindo a atenção pública para regiões, grupos sociais e campos de conflitos ignorados pela sociedade[24].

Um segundo campo refere-se à ampliação do espectro de problemas tratados publicamente, que deriva da emergência de novos atores coletivos que trazem novas situações-problema e geram uma pronta intervenção política nas esferas relacionadas com esses temas emergentes[25].

O terceiro campo trata da ampliação das possibilidades comunicativas ancoradas no mundo da vida, que vitaliza a sua infra-estrutura comunicativa. Esse campo é mais restrito e a medida da contribuição depende fundamentalmente dos modelos específicos de organização, conforme sejam mais ou menos horizontalizados.

A preservação dos espaços comunicativos primários assume importância crucial para o entendimento da sociedade civil no Brasil. Diferente da visão predominante [26] na teoria social, esses espaços apresentam relevância política considerável no Brasil[27], pois conformam uma teia social complexa e ordenada ao constituir uma esfera intermediária entre o espaço doméstico e o público, com um adensamento mínimo de laços sociais duradouros num contexto urbano.

Nesse ambiente tem lugar o intercâmbio regular e sistemático de informações e impressões, que formam uma opinião pública paralela aos meios de comunicação de massa. Para Costa (2002), as mensagens midiáticas são ressignificadas e geram novas interpretações e representações da realidade, constituindo estruturas de resistência.

A formação de uma esfera pública brasileira “democrática” a partir da derrocada do governo militar é evidenciada pela multiplicação dos atores políticos e pela difusão e diferenciação dos meios de comunicação de massa. Costa (2002) vê essa esfera como um sistema intermediário que absorve e processa temas e opiniões de segmentos sociais e culturais diversos.

Costa (2002) busca elementos para embasar a tese de que a esfera pública no Brasil está capacitada para atuar como “caixa de ressonância”, por onde os fluxos comunicativos das relações cotidianas chegam às instâncias de deliberação do regime democrático, o que pode ser evidenciado pelo surgimento dos meios de comunicação “críticos”, pela expansão da sociedade civil e pela preservação de espaços públicos primários.

3. Sociedade civil e ação coletiva organizada

Esta seção do trabalho concentra-se em duas interpretações sobre a ação coletiva organizada e a sociedade civil: primeiramente, a de Jean Cohen e Andrew Arato; depois, a de Jeffrey Alexander.

3.1. Os movimentos sociais e a sociedade civil

"os movimentos sociais constituem o elemento dinâmico de processos sociais que podem transformar em realidade os potenciais positivos das sociedades contemporâneas” (Cohen e Arato, 2000)

A “auto-defesa da sociedade contra o Estado”, a importância das categorias-chave da sociedade civil moderna e o caráter bidimensional das suas instituições centrais são questões cruciais que Cohen e Arato (2000) destacam para evidenciar: “1) a relação entre os potenciais da sociedade civil moderna e os projetos dos atores coletivos contemporâneos; e 2) a importância da reconstrução da categoria sociedade civil, efetuada por eles, nos termos da distinção sistema / mundo da vida para interpretar esses projetos”.

Cohen e Arato (2000) defendem que os movimentos sociais contemporâneos são significativamente novos, pois partem de uma compreensão que abandona os sonhos revolucionários em favor de uma reforma radical não orientada para o Estado. Esses projetos são definidos como formas de defesa e democratização da sociedade civil, sendo qualificados como “radicalismo autolimitado”.

Esta perspectiva supõe uma continuidade capaz de conservar as instituições, as normas e as culturas políticas das sociedades civis contemporâneas. O problema passa a ser como estabelecer novas identidades, novas formas de organização e novos cenários de conflito.

Para Cohen e Arato (2000), os paradigmas da “mobilização de recursos” (mais presente nos Estados Unidos) e dos “novos movimentos sociais” (mais presente na Europa Ocidental) representaram um novo enfoque teórico acerca dos movimentos sociais das décadas de 1960 e 1970[28]. Esses paradigmas partem da suposição que os movimentos sociais se baseiam em conflitos entre grupos organizados com associações autônomas e formas sofisticadas de comunicação, tais como redes e públicos.

Desta forma, a ação coletiva estaria relacionada com as formas de associação e estratégias próprias de uma sociedade civil pluralista moderna, em um contexto que compreende os espaços públicos, os meios de comunicação de massa, os direitos, as instituições políticas representativas e o sistema de leis.

Os dois paradigmas também distinguem entre dois níveis de ação coletiva: as mobilizações em larga escala, como greves, comícios, manifestações e boicotes; e um nível menos visível, que é latente, das formas de organização e comunicação entre grupos, que torna possível a vida diária e a continuidade da participação dos atores.

A ênfase na organização prévia dos atores sociais e na racionalidade do conflito coletivo desafia diretamente as teorias clássicas dos movimentos sociais, pois implica que características consideradas por estas exclusivas da ação coletiva “convencional” são também vigentes para as formas não convencionais de conduta coletiva[29].

A sociedade civil é entendida por Cohen e Arato (2000) como sendo as dimensões relevantes do mundo da vida. A política dual trata da aquisição de influência pelos públicos, associações e organizações na sociedade política e na institucionalização no mundo da vida do que se tem obtido[30], mas também de um modelo de etapas, no qual todos os movimentos sociais partem de formas não institucionalizadas de ação de protesto de massa para um rotineiro grupo de interesse institucionalizado ou uma política de partido.

Apesar de apontarem que o modelo de etapas chamou atenção sobre o eco dos movimentos sociais para a sociedade civil e a política, Cohen e Arato (2000) classificam esse modelo como “desorientador”, pois apresenta as questões em termos de um desenvolvimento linear da sociedade civil e da política. Os autores apontam dois erros.

O primeiro refere-se ao fato de operar com uma concepção exageradamente simples do aprendizado, supondo que os atores só aprendem em uma dimensão cognitivo-instrumental[31]. O segundo erro relaciona-se com a pobreza percebida pelos autores na concepção política do modelo que adiciona a política de identidade à política de inclusão, bem como da reforma articulada pela perspectiva da mobilização de recursos, ainda que como etapa transitória.

Ao considerar a sociedade civil e a política como os principais terrenos para a política de movimentos, Cohen e Arato (2000) apontam para a “ausência da relação entre os atores coletivos da sociedade civil e da sociedade política, que acontece no modelo de etapas porque a primeira desaparece efetivamente quando esta última emerge. A suposição é de que a sociedade civil só pode atuar sobre si mesma”[32].

No modelo de etapas não haveria lugar para uma política de influência por parte dos atores coletivos da sociedade civil dirigida aos que se encontram na sociedade política. Da mesma forma que a sociedade política é capaz de atuar sobre a administração do Estado, os atores da sociedade civil são capazes de influenciar no discurso e nos atores da sociedade política. É esse o elemento chave que falta na maioria dos paradigmas usados para estudar os movimentos sociais atualmente.

Ao abordarem o dilema de Michels[33], Cohen e Arato (2000) defendem que os movimentos sociais não podem sobreviver à sua saída dos limites do mundo da vida e reconhecem na interação normativa ou comunicativa os meios mais adequados para influenciar as estruturas coordenadas, sem sucumbir à pressão da auto-instrumentalização. Se existe uma pretensão de efetividade dos movimentos sociais, a distinção sistema / mundo da vida proporciona limites que não podem ser ignorados pelos ativistas.

A resposta de ambos a este dilema passa pela indicação da duplicação, potencial e real, dos atores na sociedade civil e na política, e pela possibilidade de um novo tipo de relação entre eles. Os autores acreditam que um maior nível de auto-reflexão, derivado do diálogo entre a teoria e interlocutores nos movimentos sociais, pode ser a chave para a diminuição dos antagonismos entre as associações baseadas no mundo da vida e na sociedade civil e as organizações capazes de afetar estrategicamente o Estado e os sistemas econômicos.

Cohen e Arato (2000) defendem um programa de “democracia radical autolimitada” que consiste em “uma crítica do fundamentalismo democrático – característico dos atores coletivos baseados da sociedade civil – e uma crítica do elitismo democrático característico daqueles baseados na sociedade política”[34]. Essa crítica teórica só pode avançar através de uma política capaz de influenciar os atores políticos ao invés de se voltar para a passividade, que é definida como a forma oposta do fundamentalismo democrático. A concepção dual de Cohen e Arato (2000) considera desejável o desenvolvimento de atores auto-reflexivos e autolimitados, capazes de influenciar na discussão política.

As noções de êxito são diferentes ao se pensar em sociedade civil e sociedade política. Enquanto na sociedade política, a auto-manutenção organizativa é uma questão obrigatória, na sociedade civil não o é, podendo ocorrer uma transgressão no limite entre o sistema e o mundo da vida. O êxito dos movimentos sociais na sociedade civil deve ser concebido em termos da democratização dos valores, normas e instituições arraigados na cultura política ao invés do alcance de metas ou da sua perpetuação.

Os direitos obtidos pelos movimentos sociais estabilizam os limites entre o mundo da vida, o Estado e a economia; são reflexos de identidades coletivas recentemente adquiridas, que constituem a condição que torna possível a emergência de novos acordos institucionais, associações, assembléias e movimentos.

Para Cohen e Arato (2000), “os teóricos ainda não formularam os novos direitos adequados para desafiar o Estado e a economia que se apresentam aos movimentos contemporâneos”[35]. Os direitos institucionalizados são importantes pontos de apoio para potencializar as lutas contemporâneas por direitos[36].

A tese defendida por Cohen e Arato (2000) só se torna viável sobre as bases de uma estratégia dual, onde as políticas de identidade, influência, inclusão e reforma possam desempenhar os papéis importantes que se propõem. Para a dupla, “do ponto de vista da sociedade civil, a política de influência é a mais central, pois é o único meio de descartar o fundamentalismo dos movimentos e barrar a via do elitismo político. Sem ela, a política da sociedade civil se transforma em anti-política”[37].

3.2. Os movimentos sociais como traduções da sociedade civil

Alexander (1998) entende os movimentos sociais como traduções da sociedade civil ao associar este termo a processos não institucionalizados e grupos que os desencadeiam, bem como às lutas políticas, organizações e discursos dos líderes e seus seguidores, que se juntam com o objetivo de mudar a distribuição das sanções sociais, as formas de interação social e os grandes ideais culturais.

A “função” da sociedade civil seria criar e manter uma comunidade cujas fronteiras incluam os domínios institucionais que definem a sociedade, onde ser membro significa “participar da ampla e inclusiva solidariedade do individualismo institucionalizado” (Alexander, 1998), que proclama a todos como irmãos, cria deveres coletivos e provê uma participação política contingencial.

Alexander (1998) ressalta um discurso característico dos movimentos sociais, que define o núcleo cultural das sociedades civis e proporciona metalinguagens aos elementos que desejam participar. Este núcleo é composto de antinomias que definem atributos negativos e positivos e, conseqüentemente, motivações[38] (categorias morais), relações alternativas[39] e instituições[40] legitimadoras da inclusão e exclusão.

Essas antinomias compreendem relações binárias, com alto grau de intertextualidade, que definem os atributos simplificados de “bom” e “mau” e funcionam como "essências distintivas”[41], onde os códigos impuros definem as identidades que merecem repressão, enquanto que os puros constroem os candidatos ao exercício da tarefa dos movimentos sociais.

Uma concepção forte e coerente de sociedade civil como uma comunidade imaginária, inspirada por dicotomias culturais e organizada por instituições comunicativas e reguladoras, surgiu ao final do século XVII, momento em que Alexander (1998) considera a emergência dos movimentos sociais como fenômenos importantes e organizados, que tornam possível uma mudança social organizada.

Para Alexander (1998), os movimentos sociais alimentam-se de um senso de comunidade total e apresentam dois padrões: o primeiro refere-se à pretensão de "representar" a sociedade como um todo, em seus desejos e melhores interesses [42]; o segundo, à pretensão de falar diretamente à toda sociedade em nome de um interesse particular [43].

Os movimentos sociais não podem ser considerados como se fossem simples respostas aos problemas existentes, mas respostas à possibilidade de construir "problemas" convincentes nas esferas da sociedade civil e de transmitir essa "realidade" construída ao conjunto da sociedade. Antes de sua formulação, poucos atores reconhecem a existência do problema que é colocado pelos movimentos sociais, muito menos que exista uma solução para tal. Alexander (1998) defende que a legitimidade da construção de um movimento social encontra-se na referência latente às obrigações criadas pela sociedade civil.

Outro aspecto importante trabalhado pelo autor refere-se à retórica dos movimentos sociais, na qual uma representação ética e uma moral solidária parecem estar sempre presentes. Alexander (1998) destaca que “por trás dos movimentos sociais sempre está a referência a uma comunidade extremamente idealizada que exige, como diz Hegel, que o universal se torne concreto”.

O pano de fundo dos movimentos sociais, portanto, consistiria em uma noção utópica de comunidade, onde atores racionais forjam, espontaneamente, vínculos que são, ao mesmo tempo, auto-reguladores, solidários e emancipadores, além de independentes das recompensas do mercado, da fé religiosa, do afeto familiar, da coerção do Estado e da verdade científica.

Para Alexander (1998), essas “comunidades que se constituem por si mesmas não são realidades, mas ideais reguladores que inspiram tanto a metalinguagem dos movimentos ‘progressistas’ quanto ‘retrógrados’ não só da atualidade como do passado”.

Esse ideal regulador e sua concretização parcial nas instituições comunicativas e reguladoras permitem a transferência de protestos gerados em um setor estrutural específico para a esfera da sociedade civil. A ação coletiva pode ser entendida como uma luta por posições perante os antagonismos das categorias da vida civil para representar outros atores, que são definidos por categorias negativas e impuras, com a própria ação sendo definida como sagrada.

Essa passagem do específico para o geral exige que os líderes dos movimentos sociais ajam com criatividade e imaginação, gerando o “problema da tradução”. Para Alexander (1998), usar uma organização com eficiência “significa aprender a traduzir experiências, do particular para o geral, do institucional para o civil, e vice-versa”.

A ambição de um movimento social deve ser recolocar demandas específicas, tirá-las de instituições particulares e colocá-las no interior da própria sociedade civil, iniciar uma conversação com a sociedade e atrair a atenção dos seus membros para uma compreensão mais global de sua causa. Desta forma, o problema e o grupo que o aciona entram definitivamente na vida pública.

Para Alexander (1998), uma tradução bem-sucedida carrega movimentos originários de protestos iniciados em um setor da estrutura[44] para a órbita da "sociedade como um todo" e permite a costura de alianças, a formação de alinhamentos de massa e a organização da propaganda. Uma dominação particular é contestada por ter sido construída a partir da violação das representações coletivas da sociedade civil. Os poderes dominantes podem ser representados pelas mesmas categorias de exclusão que adotaram anteriormente para legitimar a exclusão de outros atores.

Como parte de um “processo inverso de estigmatização” aparecem estruturas narrativas arquetípicas, que exaltam a imagem dos desafiadores – no caso, os movimentos sociais - e diminuem a dos poderosos. De personagens solitários e oprimidos, os líderes dos movimentos e organizações sociais se transformam em figuras heróicas, que se aventuram numa busca romântica. Alexander (1998) destaca que o conflito passa a ser retratado em tons sentimentais, muitas vezes moralistas e simplistas, com recursos cômicos, como a ironia e a comédia, sendo adotados para reduzir ainda mais a importância de identidades que passam a ser vistas como impuras.

Alexander (1998) enxerga os movimentos sociais como os mecanismos sociais que constroem as traduções entre o discurso da sociedade civil e os processos institucionais específicos de tipo mais particularista. Possuem uma natureza prática e histórica, mas só podem ter êxito se forem capazes de empregar a metalinguagem civil para relacionar esses problemas práticos ao centro simbólico da sociedade e suas premissas utópicas.

Para este autor, existe uma grande distância da sua interpretação para o modelo clássico dos movimentos sociais, em especial em relação ao realismo, materialismo e preocupação exclusiva com a derrubada do poder prático do Estado destes últimos. Mas Alexander (1998) também se distancia da teoria dos novos movimentos sociais, por esta tratar os argumentos simbólicos como estratégias de defesa contra o isolamento e a vulnerabilidade de atores que se defrontam com novas formas de dominação técnica.

O ponto de vista de Touraine é ressaltado por Alexander (1998) de forma diferenciada por designar os movimentos sociais como respostas idealizadas à tensão entre orientações culturais utópicas e gerais e a posição institucional limitada que caracteriza a contestação na vida cotidiana. A única maneira de desenvolver essa idéia “é relacionar os movimentos sociais à cultura e às estruturas da sociedade civil” (Alexander, 1998).

Alexander (1998) define a política como uma luta discursiva, que trata da distribuição de líderes e seus seguidores, de grupos e de instituições ao longo de conjuntos simbólicos altamente estruturados. Daí que os conflitos de poder “não se referem apenas a quem leva o que e quanto; dizem respeito também a quem será o que e por quanto tempo”.

Na ação recíproca entre as instituições comunicativas e seu público, o fato de um grupo ser representado a partir de um ou outro conjunto de categorias simbólicas é decisivo. No curso dos conflitos sociais, os indivíduos, as organizações e os grandes grupos podem ser transferidos de um lado para o outro da classificação social, através de rupturas do tempo histórico. Alexander (1998) ressalta que “por mais inovadoras que pareçam ser, essas categorias são variações de temas muito antigos e consolidados”.

BIBLIOGRAFIA

ALEXANDER, Jeffrey. “Ação coletiva, cultura e sociedade civil: secularização, inversão, revisão e deslocamento do modelo clássico dos movimentos sociais” in Revista Brasileira de Ciências Sociais. 37, junho de 1998.
COSTA, Sérgio. As cores de Ercília – esfera pública, democracia, configurações pós-nacionais. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002. Cap. I a IV.
COHEN, Jean & ARATO, Andrew. Sociedad civil y teoria política. México, Fondo de Cultura Econômica, 2000. Cap X: “Los movimentos sociales y la sociedade civil”.

NOTAS:

[1] Imputa centralidade aos meios de comunicação de massa, enfatizando a impossibilidade factual de entendimento comunicativo dentro da esfera pública, que resulta na disputa pelo controle dos recursos simbólicos disponíveis para moldar as preferências do público, tendo em Hannah Arendt uma referência (Costa 2002).
[2] Atenção se volta para todas as instâncias da esfera pública - mídia, organizações da sociedade civil, espaços de comunicação interpessoal, redes informais de intercâmbio. Vislumbra a possibilidade de formas discursivas de comunicação pública, tendo como referência Ackerman (Costa 2002).
[3] Habermas como referência (Costa 2002).
[4] Constituído por dois níveis: primeiro, a formulação pública e a apresentação de posicionamentos sobre problemas; segundo, a assimilação pelo sistema político, para, depois, haver a decisão política. Para um problema se tornar público, depende menos de seu conteúdo e relevância do que de seus requisitos prático-estratégicos - como rótulo atraente, ser trazido por atores sociais poderosos com acesso a recursos comunicativos, etc – tendo, assim, mais possibilidade de ser incorporado à agenda política do que ao representar os interesses de grupos que não fazem parte do establishment (Costa 2002).
[5] Costa (2002) destaca a distinção feita por Neidhardt entre a opinião pública (opinião dominante entre os que têm voz ativa na esfera pública) e a opinião da população (reinante entre o público).
[6] Para Costa (2002), Canclini enxerga que, na ausência dos desenvolvimentos históricos necessários para a transição da modernidade na América Latina, a modernidade se dá tardiamente, constituindo um plasma cultural híbrido, onde as formas tradicionais sucumbem pela urbanização e fragmentação de identidades com amplificação e difusão de valores como o individualismo e desejo de ser moderno pelos meios de comunicação às massas urbanas. A esfera pública política das sociedades latino-americanas é caracterizada pela inexistência histórica de um espaço comunicativo, onde os meios de comunicação de massa ocupam o espaço das mediações sociais, sendo o espaço que Canclini (1990 apud Costa, 2002) visualiza o estabelecimento de uma nova diagramação de espaços e intercâmbios urbanos.
[7] Flexibilização da estrutura produtiva, diversificação da oferta e individualização no atendimento de demandas diferenciadas dos consumidores (Costa, 2002).
[8] Possibilitado pela desprovincialização, expansão e criação de “novos públicos” e loci de realização de formas críticas de comunicação – subculturas, movimentos sociais, microespaços alternativos (Costa, 2002).
[9] Este modelo baseia-se na força sócio-integrativa da solidariedade dos impulsos comunicativos do mundo da vida, para contrabalançar o dinheiro e o poder, que suprem a carência de integração e coordenação (Costa, 2002).
[10] Costa (2002) coloca este momento de Habermas como contraponto da pressão, cultural e politicamente homogeneizadora, da sociedade de massas e de consumidores de entretenimento.
[11] Ao partir do modelo de dois níveis de sociedade, Habermas diferencia sistema e mundo da vida, para mostrar que a força sócio-integrativa das interações comunicativas do entendimento do mundo da vida não migram imediatamente para o mundo político para pacificar diferenças de interesse e disputas de poder existentes (Costa, 2002).
[12] Para Habermas, é na ambivalência constitutiva da esfera pública que desembocariam os fluxos comunicativos do mundo da vida e os esforços de utilização dos meios de comunicação para produção de lealdade política e para influenciar as preferências de consumo (Costa, 2002).
[13] Reis (1994 apud Costa, 2002), sob influência pluralista, enxerga o espaço público como arena de disputa e afirmação de interesses sociais particulares, como parte de um mercado de opiniões.
[14] Azevedo (1994 apud Costa, 2002) defende a “participação neocorporativa”, com base num diagnóstico desfavorável da democracia representativa somado à necessidade política de fomentar possibilidades de influência.
[15] A influência republicana pode ser notada, por exemplo, na concepção de “esfera pública não estatal”, defendida por Genro (1996 apud Costa, 2002), que concebe o espaço público como ante-sala do Estado para legitimação dos diferentes atores sociais e demandas, um foco de transmissão de reivindicações justas e legítimas ao Estado.
[16] Apesar da configuração oligopólica da mídia brasileira, a difusão de um estilo investigativo de jornalismo e a preservação do espaço de afirmação da autonomia são fatores que tornam os meios de comunicação atores importantes na construção do espaço público no Brasil (Costa, 2002).
[17] Esse modelo atribui ao Estado função corretiva de atenuar as tendências destrutivas do privatismo, enquanto a economia e a esfera pública representam limites ao poder estatal. Taylor trabalha com duas interpretações diferentes da relação Estado/sociedade: uma fundada em Locke e outra que remete a Montesquieu - (Costa, 2002:45).
[18] Esta “política dual” de Cohen e Arato, que será detalhada mais a frente neste trabalho, consiste em dois matizes interpretativos liberais: o utilitarismo, que vincula a integridade da sociedade civil à economia de mercado e garantia da propriedade privada; e a participação ativa dos cidadãos através de suas associações voluntárias nos processos políticos (Costa, 2002).
[19] O mundo da vida incorpora um repertório de tradições e conteúdos aos quais indivíduos recorrem nas suas ações cotidianas. Entretanto também abrange processos sócio-interativos que determinam no plano individual a formação da personalidade (Costa, 2002).
[20] Heins (1992 apud Costa, 2002).
[21] Ver Weffort (1988 apud Costa, 2002). O conceito também foi usado pela ala moderada dos militares em contraponto aos chamados linha-dura (Costa, 2002).
[22] Abarcou desde organizações de base até a igreja progressista, incluindo o “novo sindicalismo”, setores empresariais “progressistas” e os partidos e políticos democráticos (Costa, 2002).
[23] A primeira delas seria a emergência de um novo conceito de jornalismo, de cunho investigativo, apesar da segmentação das revistas, da uniformização de conteúdo dos jornais diários e da lentidão da televisão em relação aos avanços da democratização – fatores destacados por Costa (2002). Outras duas questões importantes referem-se à heterogeneidade ideológica da oferta da mídia, como conseqüência da concessão de liberdade aos produtores culturais, e ao recurso às novas tecnologias de informação.
[24] Na linhagem acolhida pela igreja católica, cita-se o projeto “Tortura Nunca Mais”, o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra); fora da igreja, cita-se o Ibase (Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica) e o Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sociais e Econômicas). Costa (2002) destaca o papel dos porta-vozes públicos dessas instituições, que recebem parte da credibilidade e reputação institucional e passam a introduzir novos temas na agenda pública, representando, com isso, um valor noticioso.
[25] Costa (2002) cita o movimento de mulheres como caso emblemático, bem como os movimentos negro, ambientalista e os sem-terra. Uma característica marcante deste campo refere-se ao deslocamento de temas do espaço privado para a esfera pública.
[26] De que esses espaços referem-se ao espaço público com grau mais baixo de consolidação estrutural, compreendendo encontros casuais de pessoas que se comunicam no elevador, no supermercado, na lanchonete. Autores como Gerhads e Neidhardt descrevem sistemas de interação simples, cujas interações comunicativas caracterizam grande abertura e sensibilidade para o entorno social por serem isentas de pré-requisitos. Costa (2002) aponta o entendimento de que a importância política dos espaços não organizados é minimizada, muito em função da construção pouco sistemática de suas pautas e a descontinuidade da condução dos temas, dificultando a formação de opinião pública.
[27] Costa (2002, p.78) cita os trabalhos de antropólogos como Caldeira (1984), Magnani (1984), Zaluar (1986) e Sader (1998) para embasar sua análise.
[28] Esses movimentos tinham metas concretas, valores e interesses articulados e cálculos racionais de estratégias como objetivos. Além disso, não foram respostas a crises econômicas ou colapsos normativos.
[29] “... é a sociedade civil, com suas associações intermediárias e autônomas tão apreçadas pelos pluralistas, e não sua terrível imagem da sociedade de massas, que aplana o terreno em que aparecem os ‘amaldiçoados’ movimentos sociais” (Cohen e Arato, 2000).
[30] Sejam novas identidades, formas associativas igualitárias autônomas ou instituições democratizadas (Cohen e Arato, 2000).
[31] Este ponto de vista é identificado como sendo típico dos partidos políticos, que consideram importante a conservação da identidade e da solidariedade para a ação estratégica a longo prazo. A crítica de Cohen e Arato (2000) dirige-se para o fato de que a evidência empírica é muito mais ambígua no que se refere aos movimentos sociais passados e presentes, além da necessidade de uma redefinição para o critério do êxito desses movimentos, pois “nas áreas onde as identidades, os significados convencionais, as normas institucionalizadas, os padrões de consumo dos estilos de vida e as práticas de socialização devem ser modificadas para produzir soluções aos problemas sociais se requer a aprendizagem segundo as linhas da dimensão moral-prática. Uma política auto-reflexiva encontra aqui um lugar adequado” (Cohen e Arato, 2000).
[32] Cohen e Arato (2000).
[33] “... a tendência dos movimentos a reproduzir as estruturas organizativas determinadas pelo poder e pelo dinheiro no momento em que têm intenção de atuar diretamente sobre os subsistemas da administração estatal e da economia de mercado”(Cohen e Arato, 2000). Michels definiu como “lei de ferro da oligarquia” a tendência de estruturas inicialmente democráticas, como os partidos socialistas da Europa Ocidental, em especial o alemão, de se converterem em oligarquias baseadas em líderes centralizadores que se perpetuavam na direção do partido.
[34] Cohen & Arato (2000).
[35] Cohen e Arato (2000).
[36] em especial as iniciativas dos programas de revolução democrática e Estado de Bem-Estar ao estabelecer de forma reflexiva o lugar dos direitos de associação e comunicação.
[37] Cohen & Arato (2000).
[38] Como, por exemplo, independência / dependência, racionalidade / irracionalidade, honesto / desonesto, crítico / ingênuo (Alexander, 1998).
[39] Do tipo confiante / desconfiado, respeitoso / injurioso, prestativo / hostil, manifesto / secreto (Alexander, 1998).
[40] Tais como público / privado, participativo / autoritário, flexível / rígido (Alexander, 1998).
[41] “...que separam o puro do impuro, amigos de inimigos, o sagrado do profano” (Alexander, 1998).
[42] Por exemplo, um grupo de defesa do meio ambiente ou da cidadania (Alexander, 1998).
[43] Por exemplo, um sindicato, ou um grupo de defesa dos afro-americanos ou das mulheres (Alexander, 1998).
[44] “...um subsistema diferenciado, uma esfera da justiça, um regime de justificação...” (Alexander, 1998).

* Adaptado do trabalho final apresentado na disciplina Sociologia Política cursada no 1o semestre do mestrado no CPDA / UFRRJ no ano de 2008, com o título Espaço público, sociedade civil contemporânea e ação coletiva organizada: bases para entender o papel dos consumidores.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A questão das sacolas plásticas e o consumo como prática política

Na semana de 27 a 31 de outubro, duas matérias publicadas em A Voz da Serra (jornal local de Nova Friburgo) me chamaram atenção. Ambas tratavam da questão referente à importância do uso de sacolas plásticas por consumidores como forma de engajamento consciente em relação à crise ambiental contemporânea. A partir da RIO92 e, em especial, do estabelecimento de um consenso global acerca do agravamento da crise ambiental contemporânea, a esfera do consumo assume um papel político cada vez maior na sociedade em que vivemos.

Antes associado à vida privada ou à alienação, ao desinteresse público e, até mesmo, a patologias, atualmente, o campo do consumo passa por um processo de politização, que tem seus limites. Neste sentido, acredito que algumas questões abordadas nas matérias merecem ser enfatizadas, bem como outras merecem ter seus limites estabelecidos:

1. O consumo como prática política apresenta como um limite evidente por estar na interseção das esferas pública e privada. Trata-se de um campo ambíguo, cujos atores não reúnem condições de regular o mercado, tanto por sua característica pulverizada, quanto por serem assimétricas as relações de poder que se desenvolvem entre as empresas e os consumidores.

2. Apesar de não discordar da idéia de que “se cada um fizer sua parte, o mundo será um espaço melhor para todos”, torna-se claro que grande parte dos países (o Brasil inclusive) não desenvolve qualquer tipo de política pública que estimule práticas de consumo responsável entre seus cidadãos. Temos apenas algumas ações isoladas (como, por exemplo, os casos citados de Brasília e da China).

3. O engajamento em práticas de consumo responsáveis pode aumentar a autonomia e a participação individual nas questões coletivas. Entretanto, é preciso destacar a perniciosa transferência de responsabilidade do Estado e do mercado para os consumidores, que são erigidos como os responsáveis pelo controle do agravamento da crise ambiental contemporânea. Desta forma, desvia-se o foco dos maiores poluidores: o próprio Estado e as grandes corporações (estatais, inclusive).

4. Sem que o Estado – nas esferas federal, estaduais e municipais, no caso brasileiro - execute políticas públicas e realize seu papel regulador, de nada adianta que os consumidores assumam suas responsabilidades ao se engajar em práticas de consumo consciente ou responsável.

5. O campo do consumo emerge como uma das possibilidades de politizar a vida cotidiana paralelamente à decadência das “velhas formas” de política institucional, tais como partidos políticos e sindicatos (trata-se de uma constatação evidenciada pela realidade social, e não uma crítica a essas estruturas), processo intensificado ao longo da década de 1990, que alguns definem como “privatização da política”.

6. Algumas abordagens de cunho moral enxergam o consumo como alienante, desagregador e, em sua maioria, se concentram na questão do exagero patológico do consumo. Esta última, aliás, trata de uma pequena parte do que se consome no mundo atual. Um bom exemplo para contestar essa visão patológica e conspícua associada ao consumo é o abastecimento cotidiano de alimentos, que constitui parte considerável das práticas de consumo atuais. Também é importante ressaltar que o ato de compra é apenas uma prática dentre outras que constituem o campo do consumo, das quais pode-se citar o consumo em si e o descarte.

7. Todos os seres vivos consomem de alguma forma. As práticas de consumo se fazem presentes em todas as sociedades, até mesmo naquelas que não são caracterizadas como capitalistas. Essas práticas atuam na produção de identidade, reconhecimento, pertencimento, distinção, hostilidade (vide boicotes) e resistências a formas de dominação (vide as práticas de consumo alimentar brasileiro que contestam toda e qualquer possibilidade de homogeneização, pasteurização ou MacDonaldização em tempos globalizados de afloramento da individualização). Especialmente a partir da constatação e publicização da crise ambiental, as práticas de consumo também apresentam a perspectiva de engajamento político dos indivíduos, guardados os limites das suas possibilidades.

Destaquei esses pontos, apenas para mostrar que, se o consumo não é o vilão de outrora, também não será a redenção da humanidade, apesar de oportunizar a consciência política a atores individuais, que se sentem impelidos a agir, não mais da velha forma, mas, neste momento, individualmente. O desafio é transformar essa politização da vida privada em ações públicas integradas de forma a interagir com o Estado e os mercados em prol da sustentabilidade do planeta.