domingo, 9 de novembro de 2008

Espaço público no Brasil, sociedade civil contemporânea e ação coletiva organizada*

1. Espaço público: uma revisão conceitual

O conceito de espaço público e os seus usos no Brasil fazem parte da abordagem desenvolvida por Sérgio Costa. Em Cores de Ercília - esfera pública, democracia, configurações pós-nacionais, o autor define a democracia como uma forma de dominação consentida, na qual decisões permanentemente fundamentadas e justificadas ressaltam a centralidade da esfera pública, vista como o espaço que compreende tanto a vontade coletiva quanto as decisões políticas previamente acertadas.

Apesar de um relativo consenso teórico em torno desta definição, os processos de transformação recente da democracia compreendem algumas variações conceituais, dentre as quais Costa (2002) adota três modelos, com base em Benhabib (1993 apud Costa, 2002), a saber: republicano[1], liberal[2] e discursivo[3].

Para este trabalho interessa registrar os pontos principais da crítica que Costa (2002) desenvolve acerca do modelo liberal de democracia, que posiciona a esfera pública como mercado, e enfatizar a defesa que este autor faz do modelo teórico discursivo da democracia como uma chave para entender o conceito de espaço público no Brasil contemporâneo.

1.1. A crítica à esfera pública como mercado

No modelo liberal de democracia, o espaço público aparece como um palco para a encenação política, onde a disputa de poder entre os diferentes atores suplanta as possibilidades de comunicação efetiva. A opinião pública constitui-se através da ação dos diferentes atores sociais e só se materializa em decisões políticas ao passar pelo policy process[4].

Costa (2002) ressalta como os governos, ao assumir prioritariamente o tratamento dos problemas cujas soluções tenham a mais ampla aceitação possível – e, paralelamente, evitar questões controversas - tornam-se os destinatários e o co-formadores ativos das esferas públicas, pois, ao mesmo tempo, que estimulam a discussão dos problemas que revelem boas perspectivas de decisão consensual, por outro lado dificultam a discussão dos temas potencialmente conflitivos ou que possam ameaçar os interesses estabelecidos.

Neste modelo, apesar da esfera pública aparecer como se fosse um fórum aberto, existe uma diferenciação funcional rígida, na qual os porta-vozes de partidos, dos grupos organizados e da mídia constituem a esfera pública e o público é apenas o destinatário das mensagens, sem voz efetiva. Costa (2002) destaca que no modelo liberal de democracia a esfera pública não incorpora o conjunto dos cidadãos[5].

Os movimentos sociais aparecem como o hiato entre os atores da esfera pública e o público e se voltam para a produção de fatos com conteúdo noticioso. O esvaziamento das possibilidades discursivas da esfera pública, inerente a este modelo, é destacado por Costa (2002), em especial, na referência a Baringhorst (1996 apud Costa, 2002) e sua análise acerca dos “novos heróis do engajamento humanitário, ecológico e pacifista”, vistos por Costa (2002) como “verdadeiros mestres do jogo de imagens, que arregimentam, através de estética não-verbal e da promessa de participação em ações carregadas de emoção e grandes vivências, milhares de adeptos” em detrimento dos contextos comunicativos e seus intercâmbios racionais-discursivos. Este “imperativo do espetáculo” é criticado por Costa (2002) por consistir no sacrifício dos debates substantivos e na obliteração das possibilidades discursivas da esfera pública.

Aqui importa destacar a interpretação que Costa (2002) faz de autores cujas abordagens são classificadas como influências do pós-modernismo e da centralidade dos meios de comunicação, especialmente a televisão, na constituição dos perfis contemporâneos das sociedades latino-americanas[6]. Diante do cenário de obliteração das possibilidades efetivamente comunicativas das esferas públicas latino-americanas apontadas por estes autores, Costa (2002) concentra-se nas possibilidades da política e das ações coletivas contemporâneas que Garcia Canclini propõe.

Na crítica que faz à Canclini, Costa (2002) considera que, ao associar o crescimento do nível de exigência dos consumidores como um contraponto da tendência contemporânea de expansão do capitalismo[7], ele enxerga uma “transformação desta esfera econômica com efeitos sociais devastadores (insegurança, desemprego, etc)” como uma “virtude política” e confunde níveis analíticos, ignorando processos históricos.

Para Costa (2002) a cidadania moderna é duplamente determinada - econômica e politicamente. Um sistema de necessidades e interesses individuais e conflitantes minaria os laços de solidariedade e cooperação social que devem ser reconstituídos em outras esferas da vida social. Portanto, o autor defende a busca, nestas outras esferas da vida social, das práticas que restaurem as relações solidárias em que podem ser encontradas as fontes de renovação normativa da política moderna.

1.2. A defesa do modelo discursivo de democracia na esfera pública

Sem negar a mudança estrutural na esfera burguesa com esta crítica ao modelo liberal de democracia, Costa (2002) mostra a persistência de estruturas comunicativas diversificadas e de processos sociais que oferecem consistência, ressonância e sentido ao “espetáculo político” no cotidiano dos atores, além de possibilitar substância e credibilidade às imagens e mensagens do modelo teórico liberal.

Cohen e Arato (1992 apud Costa, 2002) destacam dois planos de questões que não são colocadas em evidência pelo modelo liberal: o primeiro é constituído pelos novos tipos de organização política; e o segundo, pela ação dos meios de comunicação de massa e, paralelamente, pela modernização do mundo da vida[8].

Costa (2002) enxerga que as formulações recentes de Habermas inserem as postulações de Cohen e Arato na teoria discursiva da democracia, pois mostram o espaço público como uma órbita insubstituível de constituição democrática da opinião e vontade coletivas, que estabelece a mediação necessária entre a sociedade civil e o Estado e o sistema político.

A existência de uma esfera pública “politicamente influente” no modelo discursivo de democracia[9], Costa (2002) apresenta três momentos distintos de Habermas para apontar: a) o potencial de crítica e de seleção do público, capaz de preservar suas diferenciações internas e sua pluralidade[10]; b) a força da legitimidade política, como resultado do processo comunicativo de formação de opinião e da vontade coletiva, que estabelece a mediação entre o mundo da vida e o sistema político[11]; e c) a canalização dos fluxos comunicativos para a esfera pública como função das associações voluntárias e da sociedade civil[12].

Para Costa (2002), o poder de influência da sociedade civil deve chegar ao Estado através da mediação dos processos institucionais de formação da opinião e da vontade coletiva na esfera pública. O autor aproveita a visão de Habermas sobre a influência da sociedade civil, de forma anônima e difusa, e a existência de uma esfera pública transparente e porosa, permeável às questões originadas no mundo da vida.

1.3. O conceito de espaço público no Brasil

Historicamente, a idéia da inexistência de espaço público foi dominante nas ciências sociais no Brasil (Costa, 2002). A partir da década de 1980, inicia-se um processo de generalização do espaço público no país. Entretanto, Costa (2002) enfatiza que a esfera pública brasileira ainda é vista por muitos teóricos como um mercado de opiniões controlado pelos atores mais poderosos da sociedade.

O viés empiricista[13] posiciona a mídia e o espaço público como um campo, onde formas tradicionais-populistas de conquista da lealdade política se misturam com novas formas de conquista de apoio das massas. Alguns autores, que abordam a transformação da legitimidade dos atores da sociedade civil em performances participativo-institucionais, destacam a promoção do poder relativo dos atores corporativos[14].

Costa (2002) mostra que começa a se difundir a ambivalência da topografia social brasileira, com ênfase no caráter público e publicista, em uma aproximação com o modelo republicano de democracia, baseado na emergência de novos atores sociais, na redefinição do espaço público e privado e na defesa da ampliação das fronteiras políticas.[15]

A perspectiva de Hanchard (1995 apud Costa, 2002) ao abordar a constituição de esferas públicas particulares, com ênfase na aceitação e no reconhecimento mútuo das diferenças, também é criticada por Costa (2002), por desconsiderar o auto-referenciamento, a fragmentação social e a intolerância, que são imputados pela autora à sociedade brasileira, plural e desigual.

Costa (2002) é contrário à idéia do espaço público brasileiro como um mero mercado de opiniões e considera as transformações proporcionadas pela recente democratização verificada nas duas últimas décadas. O autor defende a existência de um espaço público no Brasil e destaca, por exemplo, a porosidade da mídia para absorver e processar os temas trazidos pelos atores da sociedade civil[16].

A crítica de Costa (2002) ao “pluralismo empiricista” refere-se à ausência de distinção entre os atores da sociedade civil e os demais grupos de interesses. O autor defende que o papel dos movimentos sociais e das associações voluntárias é introduzir novos temas e questões na agenda política, e ampliar o espaço público brasileiro, visto como uma arena de mediação dos processos de articulação de consensos normativos e de reconstrução reflexiva dos valores e das disposições morais que orientam a convivência social.

O olhar crítico de Costa (2002) também se dirigida ao modelo republicano de democracia, pois acredita que as contribuições democratizantes das associações da sociedade civil não podem ser enxergadas somente a partir das instâncias institucionais, mas também das possibilidades de enraizamento em esferas sociais pré-políticas. Nestas esferas e na articulação que os movimentos estabelecem entre elas e as arenas institucionais é que podem emergir os impulsos mais promissores para a renovação da democracia.

Os pontos fundamentais da análise de Costa (2002) sobre o modelo discursivo de democracia como chave de interpretação da sociedade brasileira contemporânea passam a) pela defesa da interação dos movimentos e organizações sociais com o Estado e as instituições; b) pela defesa de mecanismos de participação que preservem o caráter autônomo e necessariamente descontinuado de sua constituição e operação; e c) por ser contrário ao desenraizamento social das organizações civis.

2. Sociedade civil e espaço público

Esta parte do trabalho traça a trajetória contemporânea do conceito de sociedade civil e expõe, de forma sintética, o debate atual e as limitações da aplicação deste conceito no Brasil, de forma a embasar o entendimento das formas de ação coletiva organizada.

2.1. O conceito de sociedade civil: trajetória contemporânea e debate atual

O debate contemporâneo sobre o conceito de sociedade civil apresenta duas vertentes interpretativas principais: a versão enfática e a moderada. Neste trabalho, a opção foi de trabalhar apenas com a primeira delas - a enfática.

A visão comunitarista de Charles Taylor[17] entende a sociedade civil como uma “rede de relações autônomas e independentes do Estado, as quais agrupam os cidadãos em torno de interesses comuns e que através de sua mera existência ou atividade podem desencadear efeitos sobre a política” (Taylor, 1991 apud Costa, 2002).

John Keane delineia um projeto para a democratização das relações entre o Estado e a sociedade civil, a fim de gerar propostas para a existência simultânea de liberdade e igualdade. As propostas de Keane (1988 apud Costa, 2002) passam por um Estado com fundamentos legais claros, que opera a convivência dos múltiplos interesses privados e amplia o poder de deliberação das associações civis. Dessa forma, a sociedade civil seria, “uma esfera politicamente dinâmica que força permanentemente a democratização das instituições estatais” (Costa, 2002).

Para Michael Walzer, a noção de sociedade civil incorpora instrumentos analíticos da crítica social e a concepção normativa de “boa vida”, baseando-se nos grupos que se associam por força da sociabilidade. Cohen e Arato acentuam a defesa de uma política dual fundada na utilização sincrônica das arenas institucionais - parlamento, esferas estatais, etc - e não convencionais de participação - movimentos sociais, protestos coletivos, etc[18].

Cohen e Arato defendem a estratégia política dual, assimilando o modelo em dois níveis de sociedade de Habermas - sistema e mundo da vida. Costa (2002) ressalta que o mundo da vida e a sociedade civil não são coincidentes enquanto categorias, conforme demonstrado por Cohen e Arato[19], que destacaram ser a dimensão institucional do mundo da vida a que mais corresponde ao conceito de sociedade civil (Cohen e Arato, 1989 apud Costa, 2002). Apesar disso, Cohen e Arato não chegaram a estabelecer os limites das duas esferas, o que torna os atores duais.

Habermas (1992;1995 apud Costa, 2002) incorpora a correção de Cohen e Arato e passa a tratar a sociedade civil como o componente vivo de uma ordem democrática, o lugar social de geração de uma opinião pública “espontânea” do mundo da vida, e também como o elenco de atores sociais habilitados a conduzirem os impulsos comunicativos condensados nas esferas da vida cotidiana às demais órbitas sociais.

O debate que posiciona o conceito de sociedade civil como o local de emergência da inovação e de transformações sociais enfrenta problemas e dificuldades no plano acadêmico e político. As críticas concentram-se na fragilidade dos contornos analíticos, nas suas ambivalências, nas acusações de “moda cultural” e nas dúvidas acerca da sua plausibilidade empírica [20].

O próprio Arato (1994 apud Costa, 2002) indica uma imprecisão do movimento político-teórico da noção de sociedade civil e reconhece problemas de cunho conceitual e metodológico e de instrumentalização para a práxis política. Entretanto, Arato não se propõe a abandonar o conceito de sociedade civil, entendendo que, enquanto categoria analítica pode desempenhar uma função relevante, em especial na relação que envolve os aspectos institucionais da democracia, os meios de comunicação e os problemas da globalização da sociedade civil.

2.2. O conceito de sociedade civil no Brasil

O conceito de sociedade civil no Brasil surgiu como conseqüência da resistência ao regime militar, no início da década de 1970, em uma perspectiva político-estratégica, tendo o significado de “não militar” (Costa, 2002). A plausibilidade empírico-analítica da categoria ficou relegada a um segundo plano naquele momento, pois buscava-se principalmente um marco conceitual para a resistência contra os militares[21], que gerou uma reversão da tendência histórica brasileira de ter os interesses sociais organizados pelo Estado.

O termo sociedade civil apresentou-se conceitualmente difuso durante o processo de democratização brasileiro[22]. Com o aprofundamento da democratização, surgem algumas clivagens dentro do que se denominava sociedade civil, sendo as mais marcantes as dos políticos de oposição eleitos governadores ou prefeitos, dos empresários “progressistas” e do sindicalismo autêntico, cada qual passa a cuidar especificamente de suas questões e se afasta do que era universal e os unificava: a luta contra o regime militar, que chegava ao fim em 1985.

Costa (2002) identifica que o termo sociedade civil, como uma esfera distinta do mercado e do Estado, não constituía um campo homogêneo, compreendendo um processo de diferenciação que explicitava as demandas dos diferentes atores – mulheres, movimentos negro e ecológico - que não eram sempre compatíveis entre si.

A partir da década de 1990, essa diferenciação se acentuou e observou-se um movimento paradoxal em que uma parte das associações e movimentos sociais buscou uma melhor delimitação das fronteiras entre a sociedade civil e o Estado e outra parte percorreu um caminho inverso, abdicando de suas especificidades em benefício de funções de agências estatais ou organizações empresariais.

Costa (2002) aponta as seguintes transformações recentes no campo de atuação da sociedade civil no Brasil, tornando-o cada vez mais multifacetado e complexo: a) a aceitação social da crítica neoliberal; b) a emergência de numerosas ONGs; c) a investida de setores empresariais em parcerias com a sociedade civil; d) a ação sistêmica do governo federal no sentido de regulação das relações com a sociedade civil; e e) a internacionalização de muitas organizações da sociedade civil.

A sociedade civil no Brasil compreende um contexto de ação para um amplo conjunto de atores que não querem ser assimilados ao aparelho de Estado ou às estruturas partidárias (Costa, 2002). As associações da sociedade civil são apenas uma força propulsora de transformações na estrutura institucional em permanente transformação para atenuar as inevitáveis tensões entre a lei e a ordem.

Um conceito operacional de sociedade civil para a esfera pública brasileira “refere-se ao contexto na topografia social, marcado por relações de solidariedade e cooperação e não se restringe assim a um somatório de organizações, trata-se de uma teia de interações” (Costa, 2002). As organizações da sociedade civil seriam “nódulos que se distinguem dos grupos de interesse que atuam na esfera política e econômica”.

Os aspectos desta distinção identificados por Costa (2002) são: a) base de recursos, que visa canalizar atenções públicas para campanhas e pleitos; b) base de constituição dos grupos, com a identidade sendo constituída no contexto das próprias ações coletivas; c) natureza do recrutamento dos membros, voluntária e livremente arbitrada; d) natureza dos interesses representados, das questões e problemas que emergem do mundo da vida.

Existe um condicionamento mútuo entre sociedade civil e espaço público, no qual Costa (2OO2) enxerga que a construção e consolidação da sociedade civil dependem tanto da vigência de direitos civis básicos quanto da existência de um espaço público minimamente poroso.

2.3. A construção da sociedade civil no Brasil

Apesar de se distanciar das abordagens que ressaltam a centralidade dos meios de comunicação de massa, Costa (2002) reconhece a tendência à formação de oligopólio do setor de comunicação brasileiro, em especial na televisão. Entretanto, o autor destaca algumas transformações que denotam a importância dos meios de comunicação na formação do espaço público e da sociedade civil no Brasil[23].

A construção da sociedade civil no Brasil apresenta três campos distintos, mas complementares. O primeiro deles consiste na produção de esferas públicas alternativas, caracterizadas por organizações especializadas em reunir e divulgar informações, de forma sistemática, sobre temas específicos, dirigindo a atenção pública para regiões, grupos sociais e campos de conflitos ignorados pela sociedade[24].

Um segundo campo refere-se à ampliação do espectro de problemas tratados publicamente, que deriva da emergência de novos atores coletivos que trazem novas situações-problema e geram uma pronta intervenção política nas esferas relacionadas com esses temas emergentes[25].

O terceiro campo trata da ampliação das possibilidades comunicativas ancoradas no mundo da vida, que vitaliza a sua infra-estrutura comunicativa. Esse campo é mais restrito e a medida da contribuição depende fundamentalmente dos modelos específicos de organização, conforme sejam mais ou menos horizontalizados.

A preservação dos espaços comunicativos primários assume importância crucial para o entendimento da sociedade civil no Brasil. Diferente da visão predominante [26] na teoria social, esses espaços apresentam relevância política considerável no Brasil[27], pois conformam uma teia social complexa e ordenada ao constituir uma esfera intermediária entre o espaço doméstico e o público, com um adensamento mínimo de laços sociais duradouros num contexto urbano.

Nesse ambiente tem lugar o intercâmbio regular e sistemático de informações e impressões, que formam uma opinião pública paralela aos meios de comunicação de massa. Para Costa (2002), as mensagens midiáticas são ressignificadas e geram novas interpretações e representações da realidade, constituindo estruturas de resistência.

A formação de uma esfera pública brasileira “democrática” a partir da derrocada do governo militar é evidenciada pela multiplicação dos atores políticos e pela difusão e diferenciação dos meios de comunicação de massa. Costa (2002) vê essa esfera como um sistema intermediário que absorve e processa temas e opiniões de segmentos sociais e culturais diversos.

Costa (2002) busca elementos para embasar a tese de que a esfera pública no Brasil está capacitada para atuar como “caixa de ressonância”, por onde os fluxos comunicativos das relações cotidianas chegam às instâncias de deliberação do regime democrático, o que pode ser evidenciado pelo surgimento dos meios de comunicação “críticos”, pela expansão da sociedade civil e pela preservação de espaços públicos primários.

3. Sociedade civil e ação coletiva organizada

Esta seção do trabalho concentra-se em duas interpretações sobre a ação coletiva organizada e a sociedade civil: primeiramente, a de Jean Cohen e Andrew Arato; depois, a de Jeffrey Alexander.

3.1. Os movimentos sociais e a sociedade civil

"os movimentos sociais constituem o elemento dinâmico de processos sociais que podem transformar em realidade os potenciais positivos das sociedades contemporâneas” (Cohen e Arato, 2000)

A “auto-defesa da sociedade contra o Estado”, a importância das categorias-chave da sociedade civil moderna e o caráter bidimensional das suas instituições centrais são questões cruciais que Cohen e Arato (2000) destacam para evidenciar: “1) a relação entre os potenciais da sociedade civil moderna e os projetos dos atores coletivos contemporâneos; e 2) a importância da reconstrução da categoria sociedade civil, efetuada por eles, nos termos da distinção sistema / mundo da vida para interpretar esses projetos”.

Cohen e Arato (2000) defendem que os movimentos sociais contemporâneos são significativamente novos, pois partem de uma compreensão que abandona os sonhos revolucionários em favor de uma reforma radical não orientada para o Estado. Esses projetos são definidos como formas de defesa e democratização da sociedade civil, sendo qualificados como “radicalismo autolimitado”.

Esta perspectiva supõe uma continuidade capaz de conservar as instituições, as normas e as culturas políticas das sociedades civis contemporâneas. O problema passa a ser como estabelecer novas identidades, novas formas de organização e novos cenários de conflito.

Para Cohen e Arato (2000), os paradigmas da “mobilização de recursos” (mais presente nos Estados Unidos) e dos “novos movimentos sociais” (mais presente na Europa Ocidental) representaram um novo enfoque teórico acerca dos movimentos sociais das décadas de 1960 e 1970[28]. Esses paradigmas partem da suposição que os movimentos sociais se baseiam em conflitos entre grupos organizados com associações autônomas e formas sofisticadas de comunicação, tais como redes e públicos.

Desta forma, a ação coletiva estaria relacionada com as formas de associação e estratégias próprias de uma sociedade civil pluralista moderna, em um contexto que compreende os espaços públicos, os meios de comunicação de massa, os direitos, as instituições políticas representativas e o sistema de leis.

Os dois paradigmas também distinguem entre dois níveis de ação coletiva: as mobilizações em larga escala, como greves, comícios, manifestações e boicotes; e um nível menos visível, que é latente, das formas de organização e comunicação entre grupos, que torna possível a vida diária e a continuidade da participação dos atores.

A ênfase na organização prévia dos atores sociais e na racionalidade do conflito coletivo desafia diretamente as teorias clássicas dos movimentos sociais, pois implica que características consideradas por estas exclusivas da ação coletiva “convencional” são também vigentes para as formas não convencionais de conduta coletiva[29].

A sociedade civil é entendida por Cohen e Arato (2000) como sendo as dimensões relevantes do mundo da vida. A política dual trata da aquisição de influência pelos públicos, associações e organizações na sociedade política e na institucionalização no mundo da vida do que se tem obtido[30], mas também de um modelo de etapas, no qual todos os movimentos sociais partem de formas não institucionalizadas de ação de protesto de massa para um rotineiro grupo de interesse institucionalizado ou uma política de partido.

Apesar de apontarem que o modelo de etapas chamou atenção sobre o eco dos movimentos sociais para a sociedade civil e a política, Cohen e Arato (2000) classificam esse modelo como “desorientador”, pois apresenta as questões em termos de um desenvolvimento linear da sociedade civil e da política. Os autores apontam dois erros.

O primeiro refere-se ao fato de operar com uma concepção exageradamente simples do aprendizado, supondo que os atores só aprendem em uma dimensão cognitivo-instrumental[31]. O segundo erro relaciona-se com a pobreza percebida pelos autores na concepção política do modelo que adiciona a política de identidade à política de inclusão, bem como da reforma articulada pela perspectiva da mobilização de recursos, ainda que como etapa transitória.

Ao considerar a sociedade civil e a política como os principais terrenos para a política de movimentos, Cohen e Arato (2000) apontam para a “ausência da relação entre os atores coletivos da sociedade civil e da sociedade política, que acontece no modelo de etapas porque a primeira desaparece efetivamente quando esta última emerge. A suposição é de que a sociedade civil só pode atuar sobre si mesma”[32].

No modelo de etapas não haveria lugar para uma política de influência por parte dos atores coletivos da sociedade civil dirigida aos que se encontram na sociedade política. Da mesma forma que a sociedade política é capaz de atuar sobre a administração do Estado, os atores da sociedade civil são capazes de influenciar no discurso e nos atores da sociedade política. É esse o elemento chave que falta na maioria dos paradigmas usados para estudar os movimentos sociais atualmente.

Ao abordarem o dilema de Michels[33], Cohen e Arato (2000) defendem que os movimentos sociais não podem sobreviver à sua saída dos limites do mundo da vida e reconhecem na interação normativa ou comunicativa os meios mais adequados para influenciar as estruturas coordenadas, sem sucumbir à pressão da auto-instrumentalização. Se existe uma pretensão de efetividade dos movimentos sociais, a distinção sistema / mundo da vida proporciona limites que não podem ser ignorados pelos ativistas.

A resposta de ambos a este dilema passa pela indicação da duplicação, potencial e real, dos atores na sociedade civil e na política, e pela possibilidade de um novo tipo de relação entre eles. Os autores acreditam que um maior nível de auto-reflexão, derivado do diálogo entre a teoria e interlocutores nos movimentos sociais, pode ser a chave para a diminuição dos antagonismos entre as associações baseadas no mundo da vida e na sociedade civil e as organizações capazes de afetar estrategicamente o Estado e os sistemas econômicos.

Cohen e Arato (2000) defendem um programa de “democracia radical autolimitada” que consiste em “uma crítica do fundamentalismo democrático – característico dos atores coletivos baseados da sociedade civil – e uma crítica do elitismo democrático característico daqueles baseados na sociedade política”[34]. Essa crítica teórica só pode avançar através de uma política capaz de influenciar os atores políticos ao invés de se voltar para a passividade, que é definida como a forma oposta do fundamentalismo democrático. A concepção dual de Cohen e Arato (2000) considera desejável o desenvolvimento de atores auto-reflexivos e autolimitados, capazes de influenciar na discussão política.

As noções de êxito são diferentes ao se pensar em sociedade civil e sociedade política. Enquanto na sociedade política, a auto-manutenção organizativa é uma questão obrigatória, na sociedade civil não o é, podendo ocorrer uma transgressão no limite entre o sistema e o mundo da vida. O êxito dos movimentos sociais na sociedade civil deve ser concebido em termos da democratização dos valores, normas e instituições arraigados na cultura política ao invés do alcance de metas ou da sua perpetuação.

Os direitos obtidos pelos movimentos sociais estabilizam os limites entre o mundo da vida, o Estado e a economia; são reflexos de identidades coletivas recentemente adquiridas, que constituem a condição que torna possível a emergência de novos acordos institucionais, associações, assembléias e movimentos.

Para Cohen e Arato (2000), “os teóricos ainda não formularam os novos direitos adequados para desafiar o Estado e a economia que se apresentam aos movimentos contemporâneos”[35]. Os direitos institucionalizados são importantes pontos de apoio para potencializar as lutas contemporâneas por direitos[36].

A tese defendida por Cohen e Arato (2000) só se torna viável sobre as bases de uma estratégia dual, onde as políticas de identidade, influência, inclusão e reforma possam desempenhar os papéis importantes que se propõem. Para a dupla, “do ponto de vista da sociedade civil, a política de influência é a mais central, pois é o único meio de descartar o fundamentalismo dos movimentos e barrar a via do elitismo político. Sem ela, a política da sociedade civil se transforma em anti-política”[37].

3.2. Os movimentos sociais como traduções da sociedade civil

Alexander (1998) entende os movimentos sociais como traduções da sociedade civil ao associar este termo a processos não institucionalizados e grupos que os desencadeiam, bem como às lutas políticas, organizações e discursos dos líderes e seus seguidores, que se juntam com o objetivo de mudar a distribuição das sanções sociais, as formas de interação social e os grandes ideais culturais.

A “função” da sociedade civil seria criar e manter uma comunidade cujas fronteiras incluam os domínios institucionais que definem a sociedade, onde ser membro significa “participar da ampla e inclusiva solidariedade do individualismo institucionalizado” (Alexander, 1998), que proclama a todos como irmãos, cria deveres coletivos e provê uma participação política contingencial.

Alexander (1998) ressalta um discurso característico dos movimentos sociais, que define o núcleo cultural das sociedades civis e proporciona metalinguagens aos elementos que desejam participar. Este núcleo é composto de antinomias que definem atributos negativos e positivos e, conseqüentemente, motivações[38] (categorias morais), relações alternativas[39] e instituições[40] legitimadoras da inclusão e exclusão.

Essas antinomias compreendem relações binárias, com alto grau de intertextualidade, que definem os atributos simplificados de “bom” e “mau” e funcionam como "essências distintivas”[41], onde os códigos impuros definem as identidades que merecem repressão, enquanto que os puros constroem os candidatos ao exercício da tarefa dos movimentos sociais.

Uma concepção forte e coerente de sociedade civil como uma comunidade imaginária, inspirada por dicotomias culturais e organizada por instituições comunicativas e reguladoras, surgiu ao final do século XVII, momento em que Alexander (1998) considera a emergência dos movimentos sociais como fenômenos importantes e organizados, que tornam possível uma mudança social organizada.

Para Alexander (1998), os movimentos sociais alimentam-se de um senso de comunidade total e apresentam dois padrões: o primeiro refere-se à pretensão de "representar" a sociedade como um todo, em seus desejos e melhores interesses [42]; o segundo, à pretensão de falar diretamente à toda sociedade em nome de um interesse particular [43].

Os movimentos sociais não podem ser considerados como se fossem simples respostas aos problemas existentes, mas respostas à possibilidade de construir "problemas" convincentes nas esferas da sociedade civil e de transmitir essa "realidade" construída ao conjunto da sociedade. Antes de sua formulação, poucos atores reconhecem a existência do problema que é colocado pelos movimentos sociais, muito menos que exista uma solução para tal. Alexander (1998) defende que a legitimidade da construção de um movimento social encontra-se na referência latente às obrigações criadas pela sociedade civil.

Outro aspecto importante trabalhado pelo autor refere-se à retórica dos movimentos sociais, na qual uma representação ética e uma moral solidária parecem estar sempre presentes. Alexander (1998) destaca que “por trás dos movimentos sociais sempre está a referência a uma comunidade extremamente idealizada que exige, como diz Hegel, que o universal se torne concreto”.

O pano de fundo dos movimentos sociais, portanto, consistiria em uma noção utópica de comunidade, onde atores racionais forjam, espontaneamente, vínculos que são, ao mesmo tempo, auto-reguladores, solidários e emancipadores, além de independentes das recompensas do mercado, da fé religiosa, do afeto familiar, da coerção do Estado e da verdade científica.

Para Alexander (1998), essas “comunidades que se constituem por si mesmas não são realidades, mas ideais reguladores que inspiram tanto a metalinguagem dos movimentos ‘progressistas’ quanto ‘retrógrados’ não só da atualidade como do passado”.

Esse ideal regulador e sua concretização parcial nas instituições comunicativas e reguladoras permitem a transferência de protestos gerados em um setor estrutural específico para a esfera da sociedade civil. A ação coletiva pode ser entendida como uma luta por posições perante os antagonismos das categorias da vida civil para representar outros atores, que são definidos por categorias negativas e impuras, com a própria ação sendo definida como sagrada.

Essa passagem do específico para o geral exige que os líderes dos movimentos sociais ajam com criatividade e imaginação, gerando o “problema da tradução”. Para Alexander (1998), usar uma organização com eficiência “significa aprender a traduzir experiências, do particular para o geral, do institucional para o civil, e vice-versa”.

A ambição de um movimento social deve ser recolocar demandas específicas, tirá-las de instituições particulares e colocá-las no interior da própria sociedade civil, iniciar uma conversação com a sociedade e atrair a atenção dos seus membros para uma compreensão mais global de sua causa. Desta forma, o problema e o grupo que o aciona entram definitivamente na vida pública.

Para Alexander (1998), uma tradução bem-sucedida carrega movimentos originários de protestos iniciados em um setor da estrutura[44] para a órbita da "sociedade como um todo" e permite a costura de alianças, a formação de alinhamentos de massa e a organização da propaganda. Uma dominação particular é contestada por ter sido construída a partir da violação das representações coletivas da sociedade civil. Os poderes dominantes podem ser representados pelas mesmas categorias de exclusão que adotaram anteriormente para legitimar a exclusão de outros atores.

Como parte de um “processo inverso de estigmatização” aparecem estruturas narrativas arquetípicas, que exaltam a imagem dos desafiadores – no caso, os movimentos sociais - e diminuem a dos poderosos. De personagens solitários e oprimidos, os líderes dos movimentos e organizações sociais se transformam em figuras heróicas, que se aventuram numa busca romântica. Alexander (1998) destaca que o conflito passa a ser retratado em tons sentimentais, muitas vezes moralistas e simplistas, com recursos cômicos, como a ironia e a comédia, sendo adotados para reduzir ainda mais a importância de identidades que passam a ser vistas como impuras.

Alexander (1998) enxerga os movimentos sociais como os mecanismos sociais que constroem as traduções entre o discurso da sociedade civil e os processos institucionais específicos de tipo mais particularista. Possuem uma natureza prática e histórica, mas só podem ter êxito se forem capazes de empregar a metalinguagem civil para relacionar esses problemas práticos ao centro simbólico da sociedade e suas premissas utópicas.

Para este autor, existe uma grande distância da sua interpretação para o modelo clássico dos movimentos sociais, em especial em relação ao realismo, materialismo e preocupação exclusiva com a derrubada do poder prático do Estado destes últimos. Mas Alexander (1998) também se distancia da teoria dos novos movimentos sociais, por esta tratar os argumentos simbólicos como estratégias de defesa contra o isolamento e a vulnerabilidade de atores que se defrontam com novas formas de dominação técnica.

O ponto de vista de Touraine é ressaltado por Alexander (1998) de forma diferenciada por designar os movimentos sociais como respostas idealizadas à tensão entre orientações culturais utópicas e gerais e a posição institucional limitada que caracteriza a contestação na vida cotidiana. A única maneira de desenvolver essa idéia “é relacionar os movimentos sociais à cultura e às estruturas da sociedade civil” (Alexander, 1998).

Alexander (1998) define a política como uma luta discursiva, que trata da distribuição de líderes e seus seguidores, de grupos e de instituições ao longo de conjuntos simbólicos altamente estruturados. Daí que os conflitos de poder “não se referem apenas a quem leva o que e quanto; dizem respeito também a quem será o que e por quanto tempo”.

Na ação recíproca entre as instituições comunicativas e seu público, o fato de um grupo ser representado a partir de um ou outro conjunto de categorias simbólicas é decisivo. No curso dos conflitos sociais, os indivíduos, as organizações e os grandes grupos podem ser transferidos de um lado para o outro da classificação social, através de rupturas do tempo histórico. Alexander (1998) ressalta que “por mais inovadoras que pareçam ser, essas categorias são variações de temas muito antigos e consolidados”.

BIBLIOGRAFIA

ALEXANDER, Jeffrey. “Ação coletiva, cultura e sociedade civil: secularização, inversão, revisão e deslocamento do modelo clássico dos movimentos sociais” in Revista Brasileira de Ciências Sociais. 37, junho de 1998.
COSTA, Sérgio. As cores de Ercília – esfera pública, democracia, configurações pós-nacionais. Belo Horizonte, Editora UFMG, 2002. Cap. I a IV.
COHEN, Jean & ARATO, Andrew. Sociedad civil y teoria política. México, Fondo de Cultura Econômica, 2000. Cap X: “Los movimentos sociales y la sociedade civil”.

NOTAS:

[1] Imputa centralidade aos meios de comunicação de massa, enfatizando a impossibilidade factual de entendimento comunicativo dentro da esfera pública, que resulta na disputa pelo controle dos recursos simbólicos disponíveis para moldar as preferências do público, tendo em Hannah Arendt uma referência (Costa 2002).
[2] Atenção se volta para todas as instâncias da esfera pública - mídia, organizações da sociedade civil, espaços de comunicação interpessoal, redes informais de intercâmbio. Vislumbra a possibilidade de formas discursivas de comunicação pública, tendo como referência Ackerman (Costa 2002).
[3] Habermas como referência (Costa 2002).
[4] Constituído por dois níveis: primeiro, a formulação pública e a apresentação de posicionamentos sobre problemas; segundo, a assimilação pelo sistema político, para, depois, haver a decisão política. Para um problema se tornar público, depende menos de seu conteúdo e relevância do que de seus requisitos prático-estratégicos - como rótulo atraente, ser trazido por atores sociais poderosos com acesso a recursos comunicativos, etc – tendo, assim, mais possibilidade de ser incorporado à agenda política do que ao representar os interesses de grupos que não fazem parte do establishment (Costa 2002).
[5] Costa (2002) destaca a distinção feita por Neidhardt entre a opinião pública (opinião dominante entre os que têm voz ativa na esfera pública) e a opinião da população (reinante entre o público).
[6] Para Costa (2002), Canclini enxerga que, na ausência dos desenvolvimentos históricos necessários para a transição da modernidade na América Latina, a modernidade se dá tardiamente, constituindo um plasma cultural híbrido, onde as formas tradicionais sucumbem pela urbanização e fragmentação de identidades com amplificação e difusão de valores como o individualismo e desejo de ser moderno pelos meios de comunicação às massas urbanas. A esfera pública política das sociedades latino-americanas é caracterizada pela inexistência histórica de um espaço comunicativo, onde os meios de comunicação de massa ocupam o espaço das mediações sociais, sendo o espaço que Canclini (1990 apud Costa, 2002) visualiza o estabelecimento de uma nova diagramação de espaços e intercâmbios urbanos.
[7] Flexibilização da estrutura produtiva, diversificação da oferta e individualização no atendimento de demandas diferenciadas dos consumidores (Costa, 2002).
[8] Possibilitado pela desprovincialização, expansão e criação de “novos públicos” e loci de realização de formas críticas de comunicação – subculturas, movimentos sociais, microespaços alternativos (Costa, 2002).
[9] Este modelo baseia-se na força sócio-integrativa da solidariedade dos impulsos comunicativos do mundo da vida, para contrabalançar o dinheiro e o poder, que suprem a carência de integração e coordenação (Costa, 2002).
[10] Costa (2002) coloca este momento de Habermas como contraponto da pressão, cultural e politicamente homogeneizadora, da sociedade de massas e de consumidores de entretenimento.
[11] Ao partir do modelo de dois níveis de sociedade, Habermas diferencia sistema e mundo da vida, para mostrar que a força sócio-integrativa das interações comunicativas do entendimento do mundo da vida não migram imediatamente para o mundo político para pacificar diferenças de interesse e disputas de poder existentes (Costa, 2002).
[12] Para Habermas, é na ambivalência constitutiva da esfera pública que desembocariam os fluxos comunicativos do mundo da vida e os esforços de utilização dos meios de comunicação para produção de lealdade política e para influenciar as preferências de consumo (Costa, 2002).
[13] Reis (1994 apud Costa, 2002), sob influência pluralista, enxerga o espaço público como arena de disputa e afirmação de interesses sociais particulares, como parte de um mercado de opiniões.
[14] Azevedo (1994 apud Costa, 2002) defende a “participação neocorporativa”, com base num diagnóstico desfavorável da democracia representativa somado à necessidade política de fomentar possibilidades de influência.
[15] A influência republicana pode ser notada, por exemplo, na concepção de “esfera pública não estatal”, defendida por Genro (1996 apud Costa, 2002), que concebe o espaço público como ante-sala do Estado para legitimação dos diferentes atores sociais e demandas, um foco de transmissão de reivindicações justas e legítimas ao Estado.
[16] Apesar da configuração oligopólica da mídia brasileira, a difusão de um estilo investigativo de jornalismo e a preservação do espaço de afirmação da autonomia são fatores que tornam os meios de comunicação atores importantes na construção do espaço público no Brasil (Costa, 2002).
[17] Esse modelo atribui ao Estado função corretiva de atenuar as tendências destrutivas do privatismo, enquanto a economia e a esfera pública representam limites ao poder estatal. Taylor trabalha com duas interpretações diferentes da relação Estado/sociedade: uma fundada em Locke e outra que remete a Montesquieu - (Costa, 2002:45).
[18] Esta “política dual” de Cohen e Arato, que será detalhada mais a frente neste trabalho, consiste em dois matizes interpretativos liberais: o utilitarismo, que vincula a integridade da sociedade civil à economia de mercado e garantia da propriedade privada; e a participação ativa dos cidadãos através de suas associações voluntárias nos processos políticos (Costa, 2002).
[19] O mundo da vida incorpora um repertório de tradições e conteúdos aos quais indivíduos recorrem nas suas ações cotidianas. Entretanto também abrange processos sócio-interativos que determinam no plano individual a formação da personalidade (Costa, 2002).
[20] Heins (1992 apud Costa, 2002).
[21] Ver Weffort (1988 apud Costa, 2002). O conceito também foi usado pela ala moderada dos militares em contraponto aos chamados linha-dura (Costa, 2002).
[22] Abarcou desde organizações de base até a igreja progressista, incluindo o “novo sindicalismo”, setores empresariais “progressistas” e os partidos e políticos democráticos (Costa, 2002).
[23] A primeira delas seria a emergência de um novo conceito de jornalismo, de cunho investigativo, apesar da segmentação das revistas, da uniformização de conteúdo dos jornais diários e da lentidão da televisão em relação aos avanços da democratização – fatores destacados por Costa (2002). Outras duas questões importantes referem-se à heterogeneidade ideológica da oferta da mídia, como conseqüência da concessão de liberdade aos produtores culturais, e ao recurso às novas tecnologias de informação.
[24] Na linhagem acolhida pela igreja católica, cita-se o projeto “Tortura Nunca Mais”, o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e a CPT (Comissão Pastoral da Terra); fora da igreja, cita-se o Ibase (Instituto Brasileiro de Análise Social e Econômica) e o Dieese (Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Sociais e Econômicas). Costa (2002) destaca o papel dos porta-vozes públicos dessas instituições, que recebem parte da credibilidade e reputação institucional e passam a introduzir novos temas na agenda pública, representando, com isso, um valor noticioso.
[25] Costa (2002) cita o movimento de mulheres como caso emblemático, bem como os movimentos negro, ambientalista e os sem-terra. Uma característica marcante deste campo refere-se ao deslocamento de temas do espaço privado para a esfera pública.
[26] De que esses espaços referem-se ao espaço público com grau mais baixo de consolidação estrutural, compreendendo encontros casuais de pessoas que se comunicam no elevador, no supermercado, na lanchonete. Autores como Gerhads e Neidhardt descrevem sistemas de interação simples, cujas interações comunicativas caracterizam grande abertura e sensibilidade para o entorno social por serem isentas de pré-requisitos. Costa (2002) aponta o entendimento de que a importância política dos espaços não organizados é minimizada, muito em função da construção pouco sistemática de suas pautas e a descontinuidade da condução dos temas, dificultando a formação de opinião pública.
[27] Costa (2002, p.78) cita os trabalhos de antropólogos como Caldeira (1984), Magnani (1984), Zaluar (1986) e Sader (1998) para embasar sua análise.
[28] Esses movimentos tinham metas concretas, valores e interesses articulados e cálculos racionais de estratégias como objetivos. Além disso, não foram respostas a crises econômicas ou colapsos normativos.
[29] “... é a sociedade civil, com suas associações intermediárias e autônomas tão apreçadas pelos pluralistas, e não sua terrível imagem da sociedade de massas, que aplana o terreno em que aparecem os ‘amaldiçoados’ movimentos sociais” (Cohen e Arato, 2000).
[30] Sejam novas identidades, formas associativas igualitárias autônomas ou instituições democratizadas (Cohen e Arato, 2000).
[31] Este ponto de vista é identificado como sendo típico dos partidos políticos, que consideram importante a conservação da identidade e da solidariedade para a ação estratégica a longo prazo. A crítica de Cohen e Arato (2000) dirige-se para o fato de que a evidência empírica é muito mais ambígua no que se refere aos movimentos sociais passados e presentes, além da necessidade de uma redefinição para o critério do êxito desses movimentos, pois “nas áreas onde as identidades, os significados convencionais, as normas institucionalizadas, os padrões de consumo dos estilos de vida e as práticas de socialização devem ser modificadas para produzir soluções aos problemas sociais se requer a aprendizagem segundo as linhas da dimensão moral-prática. Uma política auto-reflexiva encontra aqui um lugar adequado” (Cohen e Arato, 2000).
[32] Cohen e Arato (2000).
[33] “... a tendência dos movimentos a reproduzir as estruturas organizativas determinadas pelo poder e pelo dinheiro no momento em que têm intenção de atuar diretamente sobre os subsistemas da administração estatal e da economia de mercado”(Cohen e Arato, 2000). Michels definiu como “lei de ferro da oligarquia” a tendência de estruturas inicialmente democráticas, como os partidos socialistas da Europa Ocidental, em especial o alemão, de se converterem em oligarquias baseadas em líderes centralizadores que se perpetuavam na direção do partido.
[34] Cohen & Arato (2000).
[35] Cohen e Arato (2000).
[36] em especial as iniciativas dos programas de revolução democrática e Estado de Bem-Estar ao estabelecer de forma reflexiva o lugar dos direitos de associação e comunicação.
[37] Cohen & Arato (2000).
[38] Como, por exemplo, independência / dependência, racionalidade / irracionalidade, honesto / desonesto, crítico / ingênuo (Alexander, 1998).
[39] Do tipo confiante / desconfiado, respeitoso / injurioso, prestativo / hostil, manifesto / secreto (Alexander, 1998).
[40] Tais como público / privado, participativo / autoritário, flexível / rígido (Alexander, 1998).
[41] “...que separam o puro do impuro, amigos de inimigos, o sagrado do profano” (Alexander, 1998).
[42] Por exemplo, um grupo de defesa do meio ambiente ou da cidadania (Alexander, 1998).
[43] Por exemplo, um sindicato, ou um grupo de defesa dos afro-americanos ou das mulheres (Alexander, 1998).
[44] “...um subsistema diferenciado, uma esfera da justiça, um regime de justificação...” (Alexander, 1998).

* Adaptado do trabalho final apresentado na disciplina Sociologia Política cursada no 1o semestre do mestrado no CPDA / UFRRJ no ano de 2008, com o título Espaço público, sociedade civil contemporânea e ação coletiva organizada: bases para entender o papel dos consumidores.

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