terça-feira, 28 de julho de 2009

Eu gosto é dessa atarefação com "falta" de tempo...

Tempo se inventa! Aprendi isso.

Envolvido em um monte de frentes - algumas sinérgicas, outras nem tanto - minha vida atualmente consiste em administrar meu tempo a cada dia que vivo, tendo em vista que, humano que sou, não posso dar conta de tudo que me compromete, quero ou tenho que fazer.

Então, vou fazendo o que consigo. Até mesmo postar aqui se tornou legal. O fundamental hoje, para mim, é fazer as coisas que preciso fazer para me sentir bem, seja ler um texto para a prova de doutorado, pensar em um grande projeto, acompanhar as refeições de consumidores de alimentos orgânicos para ir um pouco mais além na minha dissertação de mestrado, passar bons momentos com a namorada que continua apaixonada (assim como eu! Nessa área, a reciprocidade é importante a beça, senão desaanimo...), dar conta da sociabilidade familiar e das dificuldades que vem quando vamos ficando mais velhos e um pouco responsáveis (com o tempo, cada vez mais) com aqueles que me viram nascer e crescer, conseguir manter relações de amizade e coleguismo (e até ampliá-las...), entre outras tantas coisas que faço e não me vem na cabeça.

Enfim, hoje, e só posso falar desse sentimento que sinto agora (amanhã pode não valer, aliás, amanhã posso nem mesmo existir e estar aqui para escrever algo), um sentimento de estar gostando de viver a vida que vive, sabendo que não tenho a grana que gostaria de ter na minha conta bancária, mas tendo o que me permite fazer tudo que venho fazendo. Me sentindo mais amigo daqueles que gosto, mais companheiro de quem amo, mais que algum tempo atrás.

Acima de tudo, me importa demais saber que vale o dia de hoje, que não deixo mais nada para amanhã, pois amanhã é um outro dia.

Mesmo com planos e projetos futuros, todos eles começam com ações que pratico hoje. Penso "o que vou fazer hoje?" quando acordo e vou fazendo... isso vem funcionando para mim, para não me angustiar tanto (ainda me angustio...), para dar uma segurada na ansiedade de viver (e ainda sou muito ancioso...).

Enfim, me ajuda a viver dentro das possibilidades que este nosso mundo apresenta para a trajetória de vida que trilhei até este momento, que vai passar logo ali na frente! Afinal a minha maior esperança é de que amanhã, meus olhos se abram e eu pense: "hoje é o que vale, vamos viver...".


sábado, 18 de julho de 2009

Festival de Inverno

Valeu a pena ter assistido ao Flávio Venturini no palco da ilha no Nova Friburgo Country Club. Ele começou só com uns vinte minutos, no máximo meia hora, de atraso (o horário previsto era 22hs). O show foi bem legal, eu gosto do estilo e tal...

Até aí nada, isso se não estivesse marcado para 20hs o grupo Tom sobre Tom (que começou a tocar às 21:45 - a pergunta: pq tanta demora?); bem como o Edu Quintanilha, previsto para 21hs, ficou para depois do show principal (que terminou meia noite e meia...) e seria seguido por outra atração local, o grupo "As fulanas".

Logo, ficou a sensação de que o pequeno atraso do show principal reflete uma falta de espaço para os grupos locais, que foram extremamente desprestigiados, assim como o público que chegou mais cedo para assistir a toda a programação anunciada.

Também achei que estava vazio (como parâmetro, estive no mesmo espaço em 2003, assistindo ao show de Milton Nascimento, que tinha participação da Maria Rita na época...). Acredito que esse esvaziamento tenha sido em decorrência da divulgação "em cima do laço"...

Outra coisa que me chamou atenção, foi a desorganização do bar, que foi mencionada pelas atendentes da casa de shows que estava cuidando da venda de bebidas e quitutes. "Tudo em cima da hora não dá certo", me repetiram nas duas vezes que fui comprar uma água...

Enfim, este é o único show que pude assistir, não vou mais porque viajo esta semana (queria muito ir no Jorge Aragão e na Maria Rita, mas nem tudo que queremos, conseguimos fazer, né?). Espero que a programação seja cumprida nos próximos dias, minimizando os atrasos e organizando melhor os serviços, principalmente em respeito ao público que está prestigiando o evento.

Um abração e bons shows para quem estiver com disposição de aguentar a friaca...

segunda-feira, 13 de julho de 2009

Caminhada matutina diária...

Se me faz tão bem, por que não faço todo dia? Eita, queria tanto ter uma resposta convincente, que justificasse o fato de eu não caminhar todo dia. Mas a preguiça talvez seja a causa mais sincera que posso encontrar.

Mais um começo de dia, daqueles que acordo animado, caminho e agora devo planejar o período de hoje até final de setembro que envolve pelo menos duas frentes, diferentes, mas complementares. Haja fôlego, mas são as minhas escolhas. O máximo que vai acontecer e não conseguir realizar nada, se bem que acho meio difícil, pois no final sempre consigo e hoje em dia não tá rolando nem mais aquele desespero e ansiedade. Tô simplesmente fazendo, vivendo, curtindo o que me proponho a fazer e crescendo com isso, o que é melhor ainda.

Enfim, mais para comunicar este alto astral que se abate sobre mim, queria tanto que fosse assim sempre, mas fico feliz que venha sendo na maior parte dos momentos ultimamente. Aí o baixo astral e a depressão fazem até bem, para saber que não estão comigo sempre, só bem de vez em quando...

Penso positivo mesmo quando tudo em volta tenta me dizer o contrário, e olha que a vida vem me apresentando boas surpresas, então pra que negativar tudo? Vou curtir! Hehehe

Bonjour (ainda tenho que aprender francês...ai ai ai ai)!

sábado, 11 de julho de 2009

Uma manhã em Laje do Muriaé...

Laje do Muriaé é uma cidade que deve ter algo entre 10 e 15 mil habitantes, antigo grande produtor de arroz (aqui rolava o Festival do Arroz nas antigas). Eu passava minhas férias nesta cidadezinha, onde meu pai nasceu e meus avós e alguns tios e primas moram até hoje. Tenho até uma prima vereadora, tudo bem que sequer a encontro quando venho rapidamente das últimas vezes.

Em Laje vivenciei um contraponto bacana com o meio urbano, pois era frequente que até meus 11, 12 anos passasse boa parte das minhas férias de final de ano aqui. Para se ter uma idéia, a cidade ostenta um dos cinco piores IDHs do estado do Rio de Janeiro, além de um ambiente semi-árido e um calor perto do insuportável no verão.

Trata-se de uma cidade "pobre", aparentemente sem alternativas para uma juventude que predomina. Logo, pode ser até um bom local de estudo para meu projeto de doutorado. Daqui a pouco vou percorrer algumas lan houses daqui para saber mais no pouco tempo em que estou aqui.

Ontem cheguei e pude estar com meus avós, hoje também. Sinto falta desse momento-família tão raro hoje. Logo, procuro curtir os momentos. Meu avô está bem na altura de seus 91 anos, já quase não enxerga, mas aparentemente tem bons "níveis" indicadores de saúde. Claro que está velhinho, mais fraco, mas continua super ativo, falante e adora quando estou aqui e eu adoro quando me dou o direito de estar com ele.

Pela manhã, depois do café, fui caminhar com meu pai, algo também incomum no nosso dia-a-dia, apesar de estar morando com ele e minha mãe quando estou em Friburgo. Foi bacana curtir os 6 Km de caminhada no caminho da roça, papear e tal.

Quando retornamos, estava um alvoroço só a casa dos avós, meu tio, sua esposa e filho, minha prima com o último rebento (possessivo ele...), minha tia (mãe da prima). Minha mãe preparando o almoço por exigência do meu avô. Apesar de eu ter me proposto a fazer o almoço, ele desconfia que eu não entendo nada de cozinha e eu morro de rir...

Fico bem, reconheço e me identifico com minhas raízes e, redescobrindo, sigo com mais firmeza o caminho que as linhas das palmas da minha mão me destinam... um dia de cada vez! Pois é assim que funciona, para mim...

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Vivendo hoje e nada mais...

Antes de dormir já era hoje...

Essa criação humana chamada dia, que pertence ao reino construído do tempo. Existe, claro! Mas é construção mental coletiva pura!

Viver agora é difícil demais para mim, pois assumo (no passado) compromissos comigo mesmo, que me prendem hoje, por achar que no futuro (que não existe, ainda, pois depende de hoje) eu não conseguirei cumprir se hoje eu não pensar apenas nisso que assumi como compromisso comigo mesmo no passado...

E ainda confundo isso tudo de confusão acima escrita com "foco", essa palavra tão bacana e corriqueira na contemporaneidade.

Tô escrevendo isso porque tinha um dilema (racional) que resolvi apenas ouvindo e deixando fluir o que sentia.

Meu avô por parte de pai tá bem velhinho, 91 anos, começa a apresentar uma série de problemas de saúde e tal. Meus pais vão visitá-lo hoje e voltam no domingo à Nova Friburgo. Eu estava em dúvida se ia ou não visitá-lo, pois na minha cabeça "planejada" iria apenas em outubro (e tá longe outubro, né?).

Tudo bem que eu não curta nada esse lance de doença e velhice com problemas (lances que todos, até eu que não sou imune irei passar...). Acho que lido melhor com a morte do que com o sofrimento de um ente querido, que me viu nascer, que cuidou de mim e tal.

Por que ficaria em Friburgo? Ah! Várias justificativas existem, todas plausíveis e moralmente nobres. Entretanto, tô tentando fazer diferente, comigo! Se fosse para alguma outra pessoa, tô fora! Mas é comigo!

Então decidi ir junto, tranquilo! Decidi antes de dormir naqueles momentos em que surgem as melhores idéias. Carrego o notebook, faço algumas outras coisas que puder fazer dentro do tempo que sobrar e me dou ao direito de curtir meus avós e alguns parentes mais próximos que moram em Laje do Muriaé, que está longe de ser o destino turístico sonhado por muitos nos dias atuais, muito pelo contrário.

De repente, me vem a mente agora, pode até ser um bom local para indicar em meu projeto de doutorado, ainda em fase de concepção. Olha só como escrever sobre mim mesmo me ajuda, mesmo sendo um bando de anônimos que visita este blog, quiça que lêem essas postagens?

É isso: vá com calma, mas vá! Sentido os momentos, vivendo agora porque é o que consigo sentir de fato!

Um abraço, bom dia a todos!

sexta-feira, 3 de julho de 2009

A brasileira se sente infeliz - uma entrevista...

A antropóloga Mirian Goldenberg detecta entre as mulheres de classe média um discurso de vitimização que não leva em conta suas conquistas - além de alimentar uma fantasia infantil sobre o homem provedor
Por: Eugênio Esber / Redação de AMANHÃ

Apesar da cordialidade e da entonação suave, a santista naturalizada carioca Mirian Goldenberg não foge da briga. Nem mesmo com quem acha que seu estilo não tem tanto a ver com os cânones acadêmicos. Ex-militante de esquerda nos anos 70, Mirian dirigiu sua verve crítica para as pesquisas sobre a cabeça da mulher brasileira, encarando temas como infidelidade com uma linguagem despojada para os padrões de uma doutora em Antropologia Social pela UFRJ.

A habilidade para se comunicar com um público heterogêneo faz de Mirian uma das estrelas do circuito de palestrantes - além, é claro, de uma bibliografia que inclui títulos instigantes como A Outra, Nu e Vestido, De perto Ninguém É Normal, Toda Mulher é meio Leila Diniz, Infiel: Notas de uma Antropóloga e O Corpo como Capital. Nesta entrevista a AMANHÃ, Mirian traça um paralelo intrigante entre brasileiras e alemãs, pesquisa que põe em cheque alguns valores das mulheres do lado de cá do oceano. Não deixe de conferir, agora, trechos da entrevista que não foram publicados na edição 253 de AMANHÃ - inclusive sobre a dificuldade que a brasileira tem de envelhecer, tema do seu livro Coroas.

As brasileiras estão voltando para casa?
Não acho que elas estão voltando para casa. O que está acontecendo no Brasil e em países como os Estados Unidos é que muitas mulheres estão voltando para cuidar da casa quando seus maridos ganham muito bem - o suficiente para os dois viverem tranquilamente. A mulher brasileira, diferentemente da mulher europeia, não abriu mão do seu papel de esposa e de mãe. Ela quer casar, ter filhos, constituir uma família, papel que na Europa muitas mulheres não desejam mais. Na Alemanha, por exemplo, 50% das mulheres não querem ter filhos. Elas investem muito no trabalho. Aqui, no Brasil, as mulheres querem conciliar o trabalho com a posição de mãe e esposa, o que é uma coisa muito complicada. A dificuldade de conciliar esses dois fatores tem deixado as mulheres brasileiras um tanto frustradas, tanto como profissionais quanto como esposas, mães e donas de casa.

A brasileira se impôs o desafio de ser uma supermulher?
A brasileira não faz o mesmo tipo de escolha de uma europeia. A alemã decide que ou fará isso ou fará aquilo. É algo como "ou eu vou ser mãe e criar meus filhos" ou "eu vou investir tudo na carreira". A brasileira, não. Ela quer isso e aquilo. A consequência é uma insatisfação feminina muito grande por causa de uma dupla frustração. Afinal, no mercado de trabalho elas não têm o mesmo prestígio, remuneração e poder dos homens. E por outro lado não conseguem ser mães e esposas em tempo integral. Diante desse quadro, algumas mulheres que podem exercer essa opção têm feito a seguinte avaliação: já que eu não estou tão satisfeita assim no mercado de trabalho, eu vou optar por ser mãe e esposa em tempo integral e depois eu sigo minha carreira. Mas eu não vejo um movimento tão massivo assim nessa direção. Não a ponto de dizer que a volta para casa é uma tendência. Pode até corresponder a um desejo feminino muito forte, mas não vejo isso efetivamente acontecendo em grande escala. Porque não seria um comportamento muito aceitável.

Quem não aceitaria?
Nem os homens nem a sociedade em geral aceitam. Os homens brasileiros já não querem bancar a casa sozinhos. Acabou aquele momento em que o homem era o único provedor e a mulher podia ficar em casa cuidando dos filhos. Eles não querem mais esse tipo de relação. E a própria sociedade cobra da mulher o trabalho remunerado. Há inclusive um certo estigma pesando contra a mulher jovem que se dedica inteiramente à família. Nem mesmo as outras mulheres aprovam... Por isso eu acho que só uma minoria das mulheres vai conseguir exercer essa opção de voltar para casa. Agora, no plano do desejo, da idealização, esse sentimento é muito forte.

Em que camada social esse desejo é mais forte?
Eu trabalho com mulheres das camadas médias. Minha pesquisa é com mulheres universitárias, que já se constituíram profissionalmente, que têm uma posição no mercado e que não vão parar de trabalhar, pois a independência econômica é importante para elas. Entre elas, o desejo de ficar mais perto do marido, dos filhos, aparece, sim, nas pesquisas que tenho feito. Existe uma certa fantasia, até meio infantil, do tipo "pode ser que eu encontre um parceiro que ganhe muito bem e aí eu possa cuidar dos filhos, fazer o que eu gosto, trabalhar em coisas em que eu não ganhe tão bem mas que me satisfaçam mais". Então ainda existe entre as mulheres, aqui no Brasil, uma fantasia do homem provedor. Mas está mais no plano da fantasia do que no plano da realidade das brasileiras de hoje.

Ainda que se trate de uma simples fantasia, não deixa de ser uma ruptura com um passado recente, quando as mulheres se lançaram em massa ao mercado de trabalho e se tornaram maioria em grande parte das empresas.
O que eu acho que existe é um certo paradoxo. As mulheres entraram com tudo no mercado de trabalho, mas não em posições muito prestigiadas ou que lhes permitam ganham muito bem. Elas estão em posições inferiores se compararmos com os homens. Claro, existem mulheres executivas, mulheres muito bem-sucedidas. Mas são exceções. A grande maioria das mulheres está em profissões de serviços, ou então como professoras primárias, enfermeiras, atividades em que elas não ganham bem e nem são muito prestigiadas.

Na comparação com as alemãs, alvo de sua pesquisa, como se saem as mulheres brasileiras?
Acho que esta comparação é bem interessante porque opõe dois extremos. Lá, na Alemanha, temos um tipo de mulher que valoriza a independência, a liberdade, a autonomia. Que pode ou não se casar. Que pode ou não ter filhos - para elas, tanto faz. E aqui, no Brasil, encontramos um tipo de mulher que investe muito na parceria amorosa, nos filhos, na família. Um dado curioso é que a mulher brasileira nunca esteve tão bem, como agora, em termos de educação, de trabalho, de qualidade de vida, de ser ouvida e respeitada. Só que, apesar deste bom momento, nas minhas pesquisas entre mulheres da faixa dos 40 anos eu encontro um discurso de vitimização. É o que eu chamo de miséria subjetiva.

O que é miséria subjetiva?
O discurso dessas mulheres gira em torno de duas questões: o homem (ou a falta dele) e a decadência do corpo.O que é que essas mulheres me dizem? Primeiro, aparece um discurso que é muito típico da mulher brasileira:"Falta homem no mercado", "os homens da minha idade não querem mulheres da minha idade, querem uma mulher muito mais jovem", "quando um homem se separa, imediatamente ele se casa, enquanto, para a mulher, é muito mais difícil encontrar um parceiro que a respeite". Esse é o discurso centrado no homem. Já o discurso feminino centrado na decadência do corpo traz muito fortemente percepções do tipo "meu corpo já não é mais o mesmo", "eu me tornei invisível", "eu não me acho mais uma mulher atraente", "não sou considerada uma mulher desejável". Esses dois discursos aparecem com muita força. É um discurso de vitimização. Eu chamo este fenômeno de "miséria subjetiva" porque, se você olhar para as conquistas da mulher que pratica esse discurso, verá que ela tem dinheiro, tem independência, ela está se realizando, está bem fisicamente. Mas ela não internaliza as conquistas objetivas como um poder... Já na Alemanha, eu encontrei a mulher poderosa - subjetivamente e objetivamente.

A brasileira se sente mais infeliz do que realmente é?
Exatamente. Há um descompasso entre o poder objetivo que ela tem, e o sentimento subjetivo de miséria que ela traz. E isso é cultural, é um problema da nossa cultura, que diz para as nossas mulheres que se elas não tiverem um homem, se elas não estiverem jovens, se elas não forem sexy, se elas não forem magras, se elas não tiverem filho, elas não têm valor nenhum.

Se o corpo é um capital, como você sustenta em um de seus estudos, qual é o valor deste ativo no mundo corporativo?
É muito grande, e não só para as mulheres. E você vê este fenômeno mesmo em profissões em que o corpo não seria um grande capital, como na de professor universitário, que é a minha atividade. O corpo não seria relevante, não deveria ser, mas é. As pessoas gordas, que não pintam o cabelo, que se vestem "mal", são permanentemente desqualificadas, desrespeitadas e deixam de conseguir alunos, convites para palestrar, parcerias... E tudo por causa da aparência. Por quê? Porque aqui se associa uma pessoa que não cuida do seu corpo a uma série de adjetivos negativos: diz-se que ela é preguiçosa, é desleixada. Uma mulher que não pinta o cabelo, não faz as unhas, não se depila permanentemente, é vista no Brasil como uma pessoa que não tem higiene. Na Alemanha, uma mulher não se depila, não pinta o cabelo, não faz as unhas. É dificílimo você encontrar um cabeleireiro na Alemanha para fazer escova. Aqui, se você não tem esses procedimentos que as mulheres brasileiras acham que são mínimos, você é considerada uma pessoa sem higiene. Então, esse ativo, o corpo, não é tão visível, ele não é dito, mas ele vale. Ninguém vai te dizer "eu não te convidei porque você está gorda" ou porque "você não pinta o cabelo". Mas a pessoa não é convidada por isso.

No dia-a-dia do escritório, o corpo pode significar, ou pode custar, aquela sonhada promoção?
Isso mesmo. Tem até pesquisas nos EUA mostrando que as pessoas altas ganham mais. Que os advogados que são mais altos e mais fortes têm salário superior ao dos baixinhos e carecas. Então, não é só com a mulher. Só que isso não pode ser explicitado. É óbvio que você ser inteligente, ter ideias, publicar mais, ao menos no meu meio, é algo mais importante do que o corpo. Mas a aparência vale muito. Tenho certeza de que se eu não pintasse o cabelo, se fosse gorda, os convites para palestras ou para falar na TV diminuiriam. Ainda que as minhas ideias continuassem as mesmas...

O corpo, como capital, é um valor universal?
Não é universal. Eu diria que é muito uma tendência norte-americana e latina. Na Alemanha, as mulheres são respeitadíssimas sem pintar o cabelo, vestindo roupas largas, não usando salto alto e maquiagem. Porque elas são respeitadas pelas ideias, pela personalidade, pelo charme, pelo carisma, e não pelo corpo. Até pega mal lá você investir demais no corpo. É como se você estivesse ociosa, gastando com seu corpo um tempo em que você poderia estar fazendo coisas muito mais importantes - estudando, trabalhando. A mulher que gasta muito com roupa, que investe em botox, plástica, para ter uma aparência sexy, não é bem percebida no mercado de trabalho. São valores opostos aos daqui.

Sob este viés europeu, a mulher muito vaidosa estaria desviando do foco realmente importante...
Exatamente. É o oposto do que acontece por aqui. No Brasil, se você não faz botox... Eu até brinco um pouco com esta nossa realidade de culto ao corpo no meu livro mais recente, Coroas. Ali eu mostro como as pessoas reagem quando você chega aos 40 ou 50 e não faz nenhum procedimento... Elas até estranham - mesmo você sendo uma professora universitária, mesmo você sendo uma psicanalista.... É como se você fosse responsável pelo seu envelhecimento. Você não estaria fazendo tudo o que poderia fazer para congelar sua idade.

A mulher, neste caso, passa a ser vista como alguém que teria abandonado a si mesma, perdido a autoestima?
É... A mulher estaria envelhecendo. E envelhecer é um estigma. Lá, na Alemanha, quando eu mostro as imagens de nossas mulheres de 50, de 60 anos, eles vêem mulheres congeladas na etapa dos 30. Porque todas aqui parecem ter 30. Mas esse congelamento, para eles, não é algo positivo. Afina, você congela o seu corpo, mas você congela sua maturidade, você congela sua experiência, você congela o seu comportamento. Quando você congela a sua imagem em 30, você não congela só seu corpo.

As brasileiras não sabem envelhecer?
Eu acho que elas têm muito mais dificuldade para envelhecer do que em se vê em outras culturas. Nossa cultura valoriza muito um modelo de mulher jovem e, eu diria, até infantil....

Infantil em que sentido?
Infantil no sentido de ser uma mulher voltada para o olhar do outro. Voltada para o objetivo de ser validada pelo olhar masculino. Não é uma mulher voltada para ela mesma, para o objetivo de ela se dar valor. A mulher brasileira é permanentemente movida pela busca da aprovação externa de um homem.

Ela busca a aprovação externa de um homem ou, predominantemente, de outras mulheres?
Dizem isso, não é? Que a mulher faz tudo para impressionar outra mulher.

Não é verdade?
Eu não vejo isso. Eu vejo que a mulher quer a aprovação, o desejo, o olhar do homem. Ela quer se sentir desejável, ela quer se sentir sexy, ela quer se sentir seduzindo. E isso ela não quer de uma mulher, ela quer de um homem.

No ambiente de uma empresa, neste país do culto ao corpo, os atributos físicos são de algum modo usados para se avançar na carreira?
Não dá pra dizer que todas as mulheres são assim. Inclusive porque existe aquela mulher que é um trator para competir e que não se distingue do homem. Esta não está seduzindo ninguém. Está competindo, e quer ser respeitada, e quer ganhar mesmo.

Mas o perfil trator não representa a média, representa?
Pelo menos no universo de mulheres que eu pesquiso não representa a média, não. Eu não pesquiso altas executivas, grandes empresárias. Eu pesquiso camadas médias - é a professora, é a psicóloga, é a cientista social, é a pessoa que trabalha em banco. Nesse universo que eu pesquiso, a brasileira se coloca como uma mulher que seduz e que quer também privilégios por ser mulher. Então, não quer competir tão violentamente, foge da briga, usa outros meios pra conseguir as coisas.

Inclusive usando esse ativo que é o corpo?
Exatamente. E nem sempre é o corpo sexy. Pode ser, também, o corpo infantilizado, aquele corpo de menininha que não pode ser agredida, que tem que ser protegida. As mulheres... Eu não gosto de dar exemplo, mas na TV você vê muito esse modelo de ser mulher.

É o discurso da fragilidade, da busca da proteção...
O discurso da fragilidade, da meiguice, que é um discurso que seduz, porque você acaba tomando mais cuidado com essa mulher, porque senão você acha que vai quebrar, não é? Então você vê aquele trator, mas você também vê essa mulher mais frágil, mais delicada, que eu não vi na Alemanha.

Está-se comparando mulheres da mesma condição social?
Sim, mulheres da mesma condição social. As mulheres alemãs são muito fortes, muito "poderosas". Elas não gostam do modelinho frágil. Não combina com a mulher alemã.

Esta avaliação se aplica ao plano político? O Brasil está tão preparado para governantes como Dilma Rousseff e Yeda Crusius quanto a Alemanhã para líderes como Angela Merkel?
Eu acho que a situação é muito diferente. É óbvio que a Angela Merkel também sofre discriminações. Como ocorre em qualquer lugar do mundo. Mas na Alemanha você tem uma cultura mais igualitária entre homens e mulheres. Porque lá, durante a guerra, enquanto os homens combatiam, as mulheres assumiram todas as posições masculinas. As mulheres não precisavam dos homens. Então você tem já tem uma história de p elo menos 60 anos de mulheres assumindo atividades masculinas.

Mesmo depois da guerra?
Sim, mesmo depois da guerra. Quando os homens voltaram, criou-se um problema, porque elas não queriam abrir mão daquelas atividades que tiveram de assumir enquanto eles estavam fora. Você vê que na Alemanha Oriental, hoje, me parece que 30% dos homens ficam em casa, cuidando dois filhos, e as mulheres vão trabalhar. Elas não querem aceitam ficar em casa cuidando dos filhos, elas querem trabalhar. O resultado, lá, é a existência de uma cultura mais igualitária, de mulheres que já não precisam provar nada. Aqui nós temos que provar permanentemente que podemos. Então é óbvio que o fato de ser mulher acrescenta um problema. Os homens também têm que ser competentes e tal, e também são questionados, mas a mulher tem que provar o tempo todo que pode... Ela não é vista como uma igual. Ela tem que provar que é uma igual. E tudo isso com outros agravantes, aqui no Brasil. Porque a Dilma teve que fazer plástica. A Yeda eu não sei. A Marta Suplicy fez quantas plásticas? A Dona Marisa fez quantas plásticas?

Na lógica do marketing político, uma plástica pode melhorar a imagem da candidatura...
O marketing político investe uma enormidade na aparência. Eu não sei se as candidatura delas ficariam comprometidas caso não fizessem plástica. Mas a expectativa é de que façam. Nesse ambiente, a gente acaba cedendo. E quando a gente cede, acaba reforçando a cultura do corpo. Então eu acho que aqui é mais complicado. Houve até uma pesquisa em que a primeira pergunta era "por que você votaria numa mulher? Quais os requisitos?". E os homens disseram: em primeiro lugar, ela tem que ser bonita. Claro, a Marina não fez esta concessão (cirurgia plástica), a Heloísa Helena não fez.... Mas é muito complicado, no Brasil, porque aqui a gente tem que provar o tempo todo nosso valor.

O valor do corpo...
O corpo é um capital. Se a gente não tiver esse corpo, nós temos mais dificuldade no mercado de trabalho. Não só no mercado de trabalho, no mercado afetivo, no mercado sexual, no mercado de amizades. E nós temos que investir, ainda, na família. Não podemos abrir mão disso, porque, senão há um problema, há um fracasso, há um estigma. Uma mulher que não tem um homem e vai entrar na política, a primeira coisa que se vai dizer a seu respeito é "Ah, mas qual é o problema dela?"....

Se é solteira, há um problema.
Se é solteira, as pessoas perguntam: por quê? Qual o problema? A mesma coisa aconteceu com o Kassab (Gilberto Kassab, prefeito de São Paulo, reeleito em 2008), não é? Na campanha, se invocou o estado civil dele. Quer dizer, se fosse casado e tivesse filhos, acabou o problema, acabou o questionamento... Aqui no Brasil é assim: quando você não tem uma família constituída, filhos, você é visto como um ser anormal, totalmente fora do desejável. Ainda não é vista como uma escolha legítima a opção de não se casar e de não ter filhos. Em outras culturas é legítimo, até desejável.. Tanto é que o governo alemão, e agora até o italiano, dão dinheiro para as mulheres que têm filhos. Dão uma mesada para uma mulher que tem filhos.

Nas últimas décadas teve início uma verdadeira ocupação feminina nos escritórios. Nos mais diferentes setores profissionais, a mulher se tornou maioria, inclusive rompendo tabus, como na atividade policial. As suas pesquisas e observações indicam que este fenômeno vai-se manter, se acentuar ou se inverter nos próximos anos?
Se olharmos para as últimas décadas, veremos que este avanço das mulheres foi maior em profissões com salários cada vez menores e com menos prestígio material. O jornalismo, por exemplo, era uma profissão completamente masculina e hoje é uma profissão muito feminina. Mas veja a desvalorização da profissão e do salário dos jornalistas. Então, as mulheres começaram a ocupar profissões que os homens não queriam: professora primária, enfermeira, psicóloga... Todas profissões muito associadas ao próprio trabalho da mulher dentro de casa. A entrada da mulher no mercado de trabalho foi por aí. Depois ela foi entrando em profissões que estão sendo desprestigiadas em termos salariais como, por exemplo, o jornalismo, além de atividades como a bancária, por exemplo. A mulher ocupou não somente postos de trabalho em que ela ganha menos que o homem como profissões em que se ganha menos.

E o que dizer da presença das mulheres em profissões bem remuneradas?
As mulheres ainda estão muito pouco inseridas em profissões de alto prestígio. Você poderia citar modelos, atrizes, apresentadoras de TV, em que corpo é mesmo um capital, e profissões em que se ganha bem. Mas são poucas as profissões em que a mulher ganha mais do que o homem. Quando acontece, é em atividades voltadas para o corpo, como modelo. Eu diria, então, que nós estamos muito longe, ainda, de ocupar posições de poder e de prestígio. Acredito, sim, que o caminho é esse. Mas desde que a mulher faça mais escolhas, e abra mão até de alguns papéis que ela valoriza muito. Porque quando a brasileira começar a dizer "eu quero, sim, ser diretora executiva da empresa tal", ela vai ter que fazer uma escolha diferente do que ela faz hoje..

Como assim?
É interessante notar que, em Medicina, as mulheres entram na faculdade com média superior à dos homens; durante toda faculdade elas têm médias superiores; e quando elas vão escolher a profissão, o homem escolhe ser um neurocirurgião e a mulher escolhe pediatria, dermatologia, anestesia. Então, eu acho que as escolhas da mulher ainda são muito em função dos outros papéis que ela quer conciliar, e aí isso tem um custo muito alto pra carreira dela. Então ela opta pela pediatria porque vai ter um horário mais tranqüilo, é um ramo menos competitivo, que não exigirá dela comparecer a tantos congressos nem fazer três pós-graduações...

Aquela obsessão de conciliar a profissão com papéis de mãe, esposa, dona-de-casa...
É. A nossa cultura faz com que a mulher veja um problema em abrir mão de outros papéis para realizar o sonho de ser, por exemplo, a neurocirurgiã número 1 do Brasil...
Já os homens podem ser tudo o que quiserem. Não precisam abrir mão de nada. Afinal, eles têm apoio dentro de casa. Então, eu acho que, enquanto o valor da família, do casamento, dos filhos, for tão fundamental para todas as mulheres - e isso é imposto culturalmente -, só raras exceções, entre elas, vão chegar lá, profissionalmente. Mas será que elas querem chegara lá? Eu acho que não. E isso eu vejo entre as jovens. Sou professora de meninas de 20 a 25 anos. Elas não parecem dispostas a abrir mão de ter filhos, não vão abrir mão de se casar, de ter família. Como vão chegar lá?

Você também desenvolveu estudos sobre infidelidade.
Meu livro, meu primeiro livro sobre esse tema se chama "A Outra". E dois anos atrás eu publiquei um livro chamado Infiel. Depois de 20 anos de pesquisas, eu criei um conceito que chamo de capital marital. Já que você está querendo falar de ativos, vamos lá. Eu, comparando as brasileiras na faixa de 50 anos com as alemãs da mesma faixa etária, vi que na Alemanha elas não falam de homens. Já do lado de cá, no Brasil, percebi que as mulheres aparentemente mais satisfeitas e mais felizes são aquelas que têm um marido, pois o mercado de maridos é escasso nesta faixa etária. Também notei que estas mulheres mais felizes, daqui, reportam que o marido é totalmente dependente delas. Eles ligam várias vezes por dia, não sabem fazer uma massa, não sabem encontrar nada dentro de casa. E na maioria das vezes o marido é o principal provedor dentro de casa. Ele ganha muito mais do que ela. Então, elas sem sentem duplamente poderosas: porque têm um marido, num mercado escasso, e porque eles dependem totalmente delas. Daí minha conclusão de que, no Brasil, o corpo é um capital, mas é um capital mas o marido é um capital mais valioso ainda.

Marido vale mais do que um belo corpo, mesmo?
Vale. Por quê? Porque mesmo as gordinhas que eu pesquisei se diziam felizes porque estavam com um marido há 30 anos... E, por outro lado, as m ulheres mais bonitas, mais jovens, mais bem-sucedidas que eu ouvi, me diziam ter inveja de outras mulheres nem tão bonitas ou bem empregadas porque não tinham um marido. Não tinham esse capital. Lamentavam, dizendo "eu nunca vou ter uma relação de 30 anos, porque já estou com 50".

E como fica a mulher que não tem o "capital marital"?
Percebi, nas minhas pesquisas, que quando uma mulher não tem o marido, que é o desejo mais profundo em todas as entrevistadas, ela atribui valor ao fato de ter um homem. Se ela não tem o capital marital, o amante também é um valor. Porque a pior coisa para uma mulher nessa faixa etária é não ter um homem. É a pior situação. Mas se ela tem um homem ... ela o considera fiel, porque é todo seu, e só está com a outra, com a esposa, por obrigação e por acomodação. Ela acredita que ele não tem relação sexual com a esposa, que ele não ama a esposa. Então, numa cultura em que ter um homem é um valor tão fundamental, para a mulher brasileira se sentir valorizada até um amante é um capital. E ela E ela constrói o mesmo tipo de discurso da esposa. "Ele é dependente de mim, ele precisa de mim, eu sou a relação mais importante da vida dele." Então, esposas e amantes nesse ponto são muito parecidas.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

É possível calar essas vozes? *

Países com regimes autoritários tentam, em vão, bloquear a internet, enquanto aprendem a usá-la a seu favor

- Rezar para hoje às 4 da tarde a Praça Toopkhane se transformar num mar de verde, na maior manifestação dos últimos 30 anos, Mousavi ESTARÁ PRESENTE (#)eleição iraniana

A mensagem, postada no Twitter na manhã de quinta-feira, é uma das inúmeras que surgiram com a Revolução Iraniana Versão 2009, em que o namoro entre os jovens da elite deste país e as mais recentes tecnologias da internet transformou o impasse de outro modo apavorante que se vê nas ruas de Teerã numa história prazerosa.

De fato, a revolução está sendo comentada em blogs, no Twitter, no Facebook - e não apenas em Teerã. O blogueiro Andrew Sullivan contribuiu para despertar todo este estardalhaço cibernético com sua mensagem datada de 13 de junho - "a Revolução será divulgada pelo Twitter?" - na qual ele dizia que a utilização dessa plataforma significa que "não dá mais para segurar as pessoas. Não dá mais para controlá-las". E depois que o Departamento de Estado pediu ao Twitter que adiasse a manutenção prevista para a semana passada, a fim de que esta linha de comunicação entre o Irã e o resto do mundo permanecesse aberta, um dos fundadores da companhia, Biz Stone, postou uma mensagem meio acanhada, quase congratulando-se consigo mesmo, no seu blog: "Nos faz sentir humildes o fato de pensar que nossa companhia, criada há apenas dois anos, possa desempenhar um papel tão importante em termos globais e que as autoridades tenham chegado a destacar a nossa importância".

Não há dúvida de que assistimos ao surgimento de uma nova e poderosa força. Cidadãos que antes não tinham voz em público usam agora os recursos baratos da internet para falar ao mundo sobre o drama que se desencadeou desde que o presidente Mahmoud Ahmadinejad foi declarado o vencedor das eleições presidenciais, resultado que muitos contestam. Na semana passada, o governo conseguiu coibir o emprego da internet e das mensagens de texto, mas o Twitter demonstrou que é quase impossível bloqueá-lo. O termo de busca mais comum no Twitter foi durante dias "#eleiçõesiranianas" - o "hashtag" (forma de organizar os tópicos) das discussões sobre o Irã -, enquanto a imprensa internacional dependia e continua dependendo das informações e das imagens divulgadas por cidadãos via Twitter.

Mas, apesar de todas as suas promessas, existem limites precisos para o que Twitter e outras recursos da internet, como o Facebook e os blogs, podem fazer por cidadãos de sociedades autoritárias. Os 140 caracteres permitidos em um tweet não representam o fim da política como a conhecemos - e às vezes podem até se revelar um instrumento útil para os regimes autoritários. Por maior que seja a sua profusão, os tweets não podem obrigar os líderes iranianos a mudar seu curso, como o aiatolá Ali Khamenei, o líder supremo do país, deixou claro na função religiosa da sexta-feira em sua dura repreensão aos manifestantes. No Irã, como em qualquer parte do mundo, se uma verdadeira revolução se desencadear, terá de ser offline.

Em primeiro lugar, a própria arquitetura interna do Twitter impõe limitações ao ativismo político. Há tantas mensagens pipocando a cada momento que será difícil que uma, especificamente, seja ouvida. E o limite de 140 caracteres - que constitui em parte o charme do serviço e o segredo do seu sucesso - restringe um argumento bem sustentado e suas nuances. De fato, "dê-me a liberdade ou então dê-me a morte" totaliza 41 caracteres, mas todo o discurso de Patrick Henry (um dos líderes da Independência americana) ultrapassou as 1.200 palavras. O mais emocionante é o efeito desse discurso em sua totalidade e o que ele revela a respeito do espírito do momento, mas ele se dirige a uma população de usuários ricos, que falam inglês e de bom nível acadêmico. O mesmo se aplica à blogosfera e às redes sociais como o Facebook.

Em segundo lugar, os governos ciosos do seu poder também podem usar o ciberespaço para reprimir quando se sentem ameaçados. O Estado iraniano tem uma das censuras online mais formidáveis do mundo. Somente na semana passada, as autoridades bloquearam o acesso ao YouTube, ao Facebook e à maioria dos sites mais citados pelos segmentos reformistas da blogosfera farsi. Reforça essa censura com a vigilância e a ameaça de prisão a quem se manifesta. Mesmo que o governo não consiga bloquear o discurso político ou a organização social, a possibilidade de retaliação futura pode apavorar os ativistas e os críticos mais devotados.

Paradoxalmente, a "liberdade de gritar" online pode na verdade até mesmo ajudar os regimes autoritários, servindo de uma espécie de válvula de escape política. Quando a dissensão é canalizada no ciberespaço, pode manter os manifestantes longe das ruas e ajudar as forças de segurança do Estado a perseguir ativistas políticos e as novas vozes online. Como disse na semana passada o ativista egípcio Saad Ibrahim, em defesa da democracia durante uma discussão no Instituto da Paz em Washington, isso parece fazer parte de uma longa tradição dos governos do Oriente Médio, principalmente no Egito, onde as divergências são canalizadas para as universidades e podem até florescer, desde que nunca ultrapassem os muros dessas instituições.

Em terceiro lugar, a blogosfera não está limitada a ativistas jovens, liberais, contrários ao regime; os simpatizantes do Estado mostram-se cada vez mais ativos na briga pela supremacia online. Nossa pesquisa na blogosfera iraniana mostra que os conservadores políticos e religiosos estão tão em evidência quanto os críticos do regime. Embora a blogosfera iraniana seja, na realidade, o foro no qual as mulheres falam dos seus direitos, os jovens criticam a polícia da suposta moralidade, os jornalistas lutam contra a censura, os reformistas pressionam pela mudança e os dissidentes exigem a revolução, é também o foro em que se elogia o líder supremo, se nega o Holocausto, se defende a Revolução Islâmica e se celebra o Hezbollah. É ainda o foro em que os grupos de estudantes islâmicos se mobilizam e líderes favoráveis ao establishment, como o presidente Ahmadinejad, procuram o contato com o seu eleitorado. Nossa pesquisa mais recente sugere que, no ano passado, o número e a popularidade dos blogueiros islâmicos e politicamente conservadores cresceram em relação ao dos reformistas seculares, talvez em razão dos acontecimentos que levariam às eleições presidenciais.

O bate-papo online tem um valor enorme por oferecer uma janela para uma sociedade que, de outro modo, ficaria fechada. Mas, no Irã, grande parte das conversações pela internet não tem absolutamente nada a ver com política ou revolução. A religião é o tema principal dos blogueiros - e não necessariamente a política da religião, e sim seus aspectos históricos, teológicos e pessoais. E qual é o tema mais frequentemente discutido nos blogs iranianos? A poesia.

Os regimes autoritários também estão impacientes por utilizar a internet para difundir sua própria marca de ativismo político. No Irã, por exemplo, a Basiji, uma força paramilitar voluntária sob a autoridade da Guarda Revolucionária, prometeu criar 10 mil blogs para combater o que definiu como elementos estrangeiros que tentam promover a revolução online. (A iniciativa acabou fracassando.) Os partidários do governo também realizaram ataques cada vez mais sofisticados a sites populares em farsi, por considerar que não defendiam suficientemente o governo ou não criticavam as ações de Israel na Faixa de Gaza, no inverno passado.

Na Rússia, pessoas que apoiam a renovada afirmação geopolítica do país lançaram ataques online a críticos do governo. Durante a Revolução Laranja na Ucrânia, em 2004 e 2005, os sites dos que protestavam foram invadidos e temporariamente fechados. O mesmo aconteceu em 2007 com os sites oficiais do governo e dos bancos na Estônia, depois que o governo do país decidiu mudar um monumento da era da Guerra Fria, que homenageava soldados soviéticos, de lugar. Imediatamente antes do conflito do ano passado entre a Rússia e a Geórgia, foram realizados os chamados DDOS (Distributed Denial Of Service, ou ataques de negação de serviço) contra sites do governo georgiano. É quase impossível saber quem é responsável por estes atos, mas, na Estônia, o movimento da juventude Nashi, pró-Kremlin, reivindicou a responsabilidade pelos ataques.

Na China, o governo ajudou a treinar e financiar um grupo que se infiltrou nas salas de bate-papo chinesas e em fóruns da internet a fim de combater as discussões contrárias ao partido. Chamados em seu conjunto de "partido dos 50 cents", por causa do pagamento que supostamente recebem para cada postagem favorável ao governo, esses policiais cibernéticos procuram boletins populares e tentam torcer as discussões que poderiam criticar o Partido Comunista ou a política do governo.

E, apesar disso, as conversas no Twitter continuam. Enquanto países como o Irã reprimem os discursos e a organização online, os assíduos da internet encontram maneiras de burlar os controles estatais. No Irã, assim como na China, Mianmar e em partes da ex-União Soviética, está ocorrendo um verdadeiro processo "liga e desliga", em que os cidadãos falam e o Estado reprime.

Evidentemente, os governos sempre têm uma espécie de opção nuclear a respeito da rede: fechá-la e mantê-la fechada. Foi o que aconteceu em Mianmar quando os monges foram para as ruas em 2007. É a política usada pela Coreia do Norte e por Cuba, onde poucos têm acesso à internet, em geral para fins muito limitados.

No entanto, a maioria dos governos autoritários parece mais ambivalente. Eles temem as repercussões políticas do amplo uso da internet, mas temem também as consequências econômicas e políticas de uma proibição ainda mais rigorosa.

Basta ver o bloqueio e desbloqueio constante do Facebook no ano passado, no Irã. Quando o site funciona, os cidadãos usam-no como uma ferramenta efetiva de organização em favor do candidato da oposição - no caso atual, os 65 mil integrantes do grupo favorável a Mir Hossein Mousavi. O Estado então começa a se irritar com a força dessa ação coletiva e bloqueia o acesso ao Facebook. Depois de algum tempo, muitas pessoas reclamam porque a proibição é suspensa para em seguida voltar a vigorar.

O mesmo acontece na China, onde nos últimos quatro anos, a Wikipedia foi bloqueada e desbloqueada, e onde recentemente o Twitter e o YouTube foram fechados por ocasião do 20º aniversário da repressão na praça de Tiananmen.

Então, quem vencerá? Estarão os regimes militares dispostos a conceder ao seu povo a autonomia decorrente do acesso irrestrito à internet? Ou estes regimes submeterão a rede à sua vontade exercendo a censura, a vigilância e a propaganda?

Com tantos indivíduos capazes de burlar os esforços do governo para bloquear a comunicação online, particularmente através do Twitter, é surpreendente que o governo iraniano não tenha fechado completamente o acesso à internet. Do mesmo modo, como descobrimos em nosso recente estudo da blogosfera árabe, o governo egípcio tolera uma ampla atividade dos blogs por parte da Irmandade Muçulmana, e proíbe suas outras atividades. Os chineses abrandam frequentemente suas normas mais rigorosa sobre o uso da rede, ao longo do tempo. E a junta militar de Mianmar não mantém a internet desligada por muito tempo. Recentemente, quase todos esses regimes preferiram deixar a internet mais aberta do que fechada, e depois trataram de regulamentar atividades específicas que consideram perigosas.

Afinal, parece que as pessoas que vivem em regimes autoritários como o do Irã são tão viciadas em internet quanto todos nós. Muito embora em geral os governos reprimam, não podem manter a internet fechada por muito tempo sem uma forte reação dos cidadãos. As autoridades iranianas têm o poder de fechar a internet da mesma maneira como já fecharam os jornais reformistas, mas talvez estejam mais preocupados agora com a possibilidade de que qualquer ação empurre aqueles que estão apenas assistindo - ou blogando ou twittando - para junto das multidões de manifestantes que já estão nas ruas.

*John Palfrey, Bruce Etling e Robert Faris, são pesquisadores do Centro Berkman da Universidade de Harvard a respeito de Internet & Sociedade - artigo publicado originalmente no Washington Post.