quinta-feira, 30 de outubro de 2008

A questão das sacolas plásticas e o consumo como prática política

Na semana de 27 a 31 de outubro, duas matérias publicadas em A Voz da Serra (jornal local de Nova Friburgo) me chamaram atenção. Ambas tratavam da questão referente à importância do uso de sacolas plásticas por consumidores como forma de engajamento consciente em relação à crise ambiental contemporânea. A partir da RIO92 e, em especial, do estabelecimento de um consenso global acerca do agravamento da crise ambiental contemporânea, a esfera do consumo assume um papel político cada vez maior na sociedade em que vivemos.

Antes associado à vida privada ou à alienação, ao desinteresse público e, até mesmo, a patologias, atualmente, o campo do consumo passa por um processo de politização, que tem seus limites. Neste sentido, acredito que algumas questões abordadas nas matérias merecem ser enfatizadas, bem como outras merecem ter seus limites estabelecidos:

1. O consumo como prática política apresenta como um limite evidente por estar na interseção das esferas pública e privada. Trata-se de um campo ambíguo, cujos atores não reúnem condições de regular o mercado, tanto por sua característica pulverizada, quanto por serem assimétricas as relações de poder que se desenvolvem entre as empresas e os consumidores.

2. Apesar de não discordar da idéia de que “se cada um fizer sua parte, o mundo será um espaço melhor para todos”, torna-se claro que grande parte dos países (o Brasil inclusive) não desenvolve qualquer tipo de política pública que estimule práticas de consumo responsável entre seus cidadãos. Temos apenas algumas ações isoladas (como, por exemplo, os casos citados de Brasília e da China).

3. O engajamento em práticas de consumo responsáveis pode aumentar a autonomia e a participação individual nas questões coletivas. Entretanto, é preciso destacar a perniciosa transferência de responsabilidade do Estado e do mercado para os consumidores, que são erigidos como os responsáveis pelo controle do agravamento da crise ambiental contemporânea. Desta forma, desvia-se o foco dos maiores poluidores: o próprio Estado e as grandes corporações (estatais, inclusive).

4. Sem que o Estado – nas esferas federal, estaduais e municipais, no caso brasileiro - execute políticas públicas e realize seu papel regulador, de nada adianta que os consumidores assumam suas responsabilidades ao se engajar em práticas de consumo consciente ou responsável.

5. O campo do consumo emerge como uma das possibilidades de politizar a vida cotidiana paralelamente à decadência das “velhas formas” de política institucional, tais como partidos políticos e sindicatos (trata-se de uma constatação evidenciada pela realidade social, e não uma crítica a essas estruturas), processo intensificado ao longo da década de 1990, que alguns definem como “privatização da política”.

6. Algumas abordagens de cunho moral enxergam o consumo como alienante, desagregador e, em sua maioria, se concentram na questão do exagero patológico do consumo. Esta última, aliás, trata de uma pequena parte do que se consome no mundo atual. Um bom exemplo para contestar essa visão patológica e conspícua associada ao consumo é o abastecimento cotidiano de alimentos, que constitui parte considerável das práticas de consumo atuais. Também é importante ressaltar que o ato de compra é apenas uma prática dentre outras que constituem o campo do consumo, das quais pode-se citar o consumo em si e o descarte.

7. Todos os seres vivos consomem de alguma forma. As práticas de consumo se fazem presentes em todas as sociedades, até mesmo naquelas que não são caracterizadas como capitalistas. Essas práticas atuam na produção de identidade, reconhecimento, pertencimento, distinção, hostilidade (vide boicotes) e resistências a formas de dominação (vide as práticas de consumo alimentar brasileiro que contestam toda e qualquer possibilidade de homogeneização, pasteurização ou MacDonaldização em tempos globalizados de afloramento da individualização). Especialmente a partir da constatação e publicização da crise ambiental, as práticas de consumo também apresentam a perspectiva de engajamento político dos indivíduos, guardados os limites das suas possibilidades.

Destaquei esses pontos, apenas para mostrar que, se o consumo não é o vilão de outrora, também não será a redenção da humanidade, apesar de oportunizar a consciência política a atores individuais, que se sentem impelidos a agir, não mais da velha forma, mas, neste momento, individualmente. O desafio é transformar essa politização da vida privada em ações públicas integradas de forma a interagir com o Estado e os mercados em prol da sustentabilidade do planeta.

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