domingo, 14 de junho de 2009

O entendimento da complexidade das práticas cotidianas como desafio para a eficácia da comunicação em prol da sustentabilidade planetária*

Os campos do consumo e da vida cotidiana atualmente remetem a uma espécie de purgatório global das questões ambientais. Isso faz sentido quando analisamos as estratégias e peças de comunicação ou os produtos simbólicos midiáticos que incentivam algumas mudanças individuais cotidianas “simples” (serão mesmo simples?) como forma de enfrentar a complexa “crise ambiental” a fim de gerar um contexto de possibilidades para a sustentabilidade planetária.

Este artigoinsightreflexão possui um argumentoprovocação aberto a trocas virtuaisreaisatuais futuras que contribuam para uma maior eficácia da comunicação em promover a realização de uma (ainda) utopia sustentável. Inicialmente, parto das seguintes questõesincômodos:

1) As comunicações contemporâneas que procuram promover sustentabilidade estão em sintonia com as práticas sociais cotidianas de indivíduosconsumidorescidadãos, considerando que, predominantemente, posicionam o campo do consumo como uma esfera de ação de indivíduospecadoresculpados que conspiram contra a redenção mundial “necessária” para salvar o planeta?

2) A elaboração de campanhas publicitárias e produtos simbólicos midiáticos que pretendem promover sustentabilidade considera, por exemplo, a produção de identidade, hostilidade, distinção e reconhecimento social, entre outros, pelos indivíduosconsumidorescidadãos como dimensões inerentes ao campo do consumo?

3) Os indivíduosconsumidorescidadãos são heróis, vilões ou nenhum dos dois?

No atual contexto de “crise ambiental” fica evidente uma mudança de status dos indivíduosconsumidorescidadãos. Se até a década de 1980, éramos(!?) meras vítimasmanipuladas pelos meios de comunicação e publicitários, atualmente aparecemos(!?) como pecadoresresponsáveis pela reversão do agravamento da crise ambiental na recente cruzada mundial empreendida pelos governos, empresas e organizações não governamentais em prol da salvação ou sustentabilidade planetária.

Esta transição pode ser percebida se atentarmos para como que “nunca antes neste” planeta se comunicou tanto — e geralmente de maneira urgente, obrigatória, necessária, moralista e global — sobre as ações “simples” que cada indivíduoconsumidorcidadão podedeve adotar a fim de salvar o planeta em que habita.

Um resultado deste processo, iniciado no Brasil a partir da RIO92, pode ser percebido tanto no consenso sobre (o aumento d’) a gravidade da “crise ambiental” e na inércia de ação em uma esfera macroglobalinstitucional, quanto em um aumento dos dilemas dos indivíduosconsumidorescidadãos nas micro-esferas da vida cotidiana.

“Todos nós” estamos imersos neste fogo ardente criado em torno de indivíduosconsumidorescidadãos que somos, não?

Desta forma, será que esta visão mais holísticareflexiva, de que estamos todos juntos nesta canoa furada não significa romper com um certo maniqueísmo entre “bom” e “mau” que é “necessário” para a manter a ordem, pelo menos a cosmológica, tão cara ao mundo ocidental? Ao mesmo tempo, será que a nova (des)ordem mundial já não está fazendo isso na prática (e na marra...), ao mostrar que, como canta Caetano, “alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial”?

Não tenho as respostas agora, felizmente(!), mas ficarei satisfeito se conseguir gerar uma reflexão em indivíduosconsumidorescidadãosprofissionais atuantes no mercado de comunicação, mesmo que discordem do argumento (isso faz parte!). Dada a importância destes indivíduosconsumidorescidadãosprofissionais (que imagino serem vocês que lêem este artigo) em um contexto de “crise ambiental” global, acredito que a reflexão vale a pena. Afinal, quem produz as comunicações deste teatro messiânicoeletrônicomaniqueístacontemporâneo?

Ora, o segmento de comunicação já procura entender as práticas cotidianas dos indivíduosconsumidorescidadãos para a comunicação de mercado em setores como alimentação, bebidas, higiene e limpeza, entre outros. Isso acontece com a incorporação de metodologias inerentes à antropologia, em especial a etnografia e a observação participante, que parecem ser as “bolas da vez”. Esta incorporaçãoapropriação não constitui novidade. As principais “inovações” de marketing e comunicação derivam das ciências sociais, seja na interpretação dos dados quantitativos ou da realização de pesquisas comportamentais, até a década de 1970, passando pela realização de grupos focais e valorização simbólica nas décadas de 1980 e 1990.

Logo, por que não pensar também no (atualmente badalado) etnomarketing das práticas cotidianas de consumo relacionadas ao agravamento da “crise ambiental”? Trata-se de uma provocação consciente em prol do planeta... Da mesma forma, porque não aplicar conceitos (ou seriam modas?) como “comunicação integrada”, “total” ou “global” na promoção da sustentabilidade planetária?

Onde quis chegar com este artigoinsightreflexão?

(1) Na importância dos profissionais de comunicação e marketing; e

(2) Na existência de um descompasso entre a comunicação de ações em prol da sustentabilidade planetária e a vida cotidiana dos indivíduosconsumidorescidadãos que recebem estas mensagens.

Afinal, quando se comunica uma mensagem de uma forma equivocada, o indivíduoconsumidorcidadãoreceptor — que não é burro, nem idiota — não “compra” a idéia e, no caso em tela, não a coloca em prática. Quem comunica já sabe disso. Então, não está na hora de mudar a comunicação para esses indivíduosconsumidorescidadãos? Ou é melhor continuar “enxugar o gelo”?

Certamente não serão as peças de comunicação ou os produtos simbólicos midiáticos que irão resolver a “crise ambiental”, muito menos os indivíduosconsumidorescidadãos, mas, pelo menos, as comunicações em prol de um mundo sustentável podem se transformar em uma frente de luta eficaz para as tais “mudanças nos estilos de vida”. Se, junto com isso, os debates transnacionais e intersetoriais em uma esfera pública ampla e ampliada se tornarem uma prática contínua ao invés de pontuais encontros globais midiatizados, quem sabe as luzes ao final do túnel se tornem a esperança de que “dias melhores virão”?


* artigo publicado no site Nós da Comunicação em 18/6/2009 (http://www.nosdacomunicacao.com/panorama_interna.asp?panorama=137&tipo=G#)


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